Este
livro de 363 páginas poderia ter o titulo de «A morte minuciosa de João Jorge
Rego» mas em vez do livro de Orlando Neves, a preferência de Bruno Vieira Amara
vai para uma citação do Evangelho de São Lucas. A questão da posteridade está
em textos de Zola e Sienkiewicz. O primeiro afirma «É preciso morrer para nos
fazerem justiça e o segundo confirma: «Todo o homem tem em si uma tragédia».
O
protagonista é primo em segundo grau do autor («Era filho do irmão mais velho
do meu avô paterno») e o ponto de partida é uma suposição lógica: «Os seus
restos mortais terão acabado numa vala comum ou num ossário». João Jorge (1963-1985),
como quase toda a gente, tinha duas vidas: «um gozão respeitador, um vadio
amigo da família». O autor define a sua família deste modo: «A família é uma
empresa complicada de hierarquias confusas, obediências, silêncios,
recriminações». É essa família que vive entre dois mundos: «Vivíamos isolados
na periferia e na infância. Havia o mundo exterior (…) e havia o nosso mundo
real e próximo, as idas à praia do Barreiro, os torneiros de futebol de
caricas, a mãe do BMX a fumar à janela (…)e era neste mundo que brincávamos,
sorríamos, sofríamos e vivíamos».
Osvaldo
Peres adverte o autor de que não basta conhecer as experiências dos outros em
Luanda, no Bairro Operário, é preciso mergulhar na realidade de um país porque
«se o não fizesse, os esforços para compreender a vida de João Jorge seriam em
vão». Quando o rapazito de dez anos (João Jorge) afirma «Cuidado comigo que eu
sou de Luanda» está a dizer quatro séculos de história de uma cidade – conclui
Osvaldo Peres. Claro que há outras maneiras de ver Angola: «Angola é palavras,
pacaças, palancas, petróleo e o curso lento e largo do Cuanza, as quitandeiras,
as cascatas de Cambambe, conchas de cauri, casas cobertas de colmo e os panos de
palma, trompetes de marfim». Em Angola, no ano em que nasceu João Jorge mataram
um homem no Rangel: «levou tanto pontapé na cabeça que até lhe saltou um olho,
era Sebastião Lutukuta, foi morto em 27 de Agosto de 1963, mataram o preto
errado, ali todos os pretos eram o preto errado».
A
narrativa de Bruno Vieira Amaral tem antepassados ilustres como Camilo Castelo
Branco, Raul Brandão, Carlos de Oliveira, José Cardoso Pires ou Nuo Bragança. O
uso excessivo dos advérbios de modo, o itálico sem coerência, a ausência de um
glossário no final, a par de uma revisão desatenta (láios por lábios na página
182), a falta de parêntesis na página 253 ou as duplas aspas na página 299, não
alteram em nada o fascínio que o livro transporta. Como toda a grande
literatura este belo livro «junta de novo tudo o que a morte separou».
(Editora: Quetzal, Capa: Rui Rodrigues,
Revisão: Carlos Pinheiro - Um
livro por semana 556)
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