O livro de 89 páginas e 25
poemas é feito de retratos. Logo na página 9 se lê «o cão insiste para tirarmos
uma fotografia» e na página 64 «lembro-me de tirar uma fotografia ao comboio a
sorrir» além de na página 31 o poema «tirar uma fotografia» à rosa vermelha. Há
nos poemas deste livro a linha «Vida -Literatura» pois o cão do título e do
primeiro poema faz o transporte de três mundos na cidade, lugar da luta entre o
rural e o urbano. Vitorino Nemésio lamentou: «Já não se faz poesia descritiva e
é pena!» Em «O bicho harmonioso» pergunta: «A poesia do abstracto? / Talvez. /
Mas um pouco de calor / A exaltação de cada momento / É melhor.» E, a seguir,
responde: «Uma ideia só como sangue/ de problema. / No mais, não. Não me
interessa.» Aqui o ponto de partida é a página 31: «a minha terra / o meu país
do sul / bem no alto / sobre o oceano.» A base será a página 35: «imaginei que
podia /estar apenas a começar / como se toda a vida vivida / não passasse do
meu nascimento /que julgava tão longínquo /e bem arrumado / numa caixa de
sapatos /da memória» e termina «não haveria de ser nada». Este «nada» que faz
parte do «lugar-comum» tem a ver com o poema da página 43 que conclui: «o que
escrevi/se calhar para nada.» Portugal é o país onde o morto fala, o cantor não
canta, Bulhão Pato é conhecido pelas amêijoas, Bocage pelas anedotas e Camões
pelo olho perdido. No tempo de Cesário Verde o mais conhecido era Cláudio
Nunes, no tempo de Eça de Queirós o mais famoso era Pinheiro Chagas e no tempo
de Camilo Pessanha o popular era Augusto Gil. Uma guerra perdida entre ser
conhecido e ser importante. Perante o sistema cultural do nosso país, várias
são as possibilidades. Na página 16 afirma o autor: «mesmo assim não tenho
vergonha do meu país do sul e das montanhas.» Mas o «Poseidon» da página 48 era
quase o nome do navio no qual Manuel Teixeira-Gomes, desiludido e revoltado com
o sistema cultural, embarcou para o seu exílio em Bougie. Portimão é muito
perto de Monchique; tem tudo a ver com a Geografia. Logo na página 3 numa
espécie de «porta» do livro, o autor cita José Gomes Ferreira (1900-1985) que
considera a realidade um sonho absurdo. Já Camilo Castelo Branco (1825-1890)
tinha afirmado que «a Poesia não tem presente; ou é sonho ou saudade». António Manuel Venda (n.1968) organiza nestes
poemas a resposta a essa pergunta de José Gomes Ferreira. No poema mais longo
do livro (página 51- página 62) a oficina do Poeta é a mesa do café e o ponto
de partida são dois objectos (o bolo e o sumo de laranja) mas o alcance mais
profundo é chegar muito longe da chamada circunstância. Dito de outra maneira o
«homem tão estranho» é o autor do poema que viaja nas águas e nos mares da
imaginação entre a paisagem da parede do café e a paisagem da Serra de
Monchique. O poema faz um ajuste de contas com a realidade: a moeda única, Schengen,
Maastricht, o busto de Cristiano Ronaldo mas o pretexto é uma infracção de
trânsito que nunca se chega a saber se é real ou sonhada. A realidade é
dolorosa e uma das maneiras de a abordar é a ironia. Por exemplo na página 21 o
poema refere um «ajuste directo» ou uma «direcção geral de meteorologia e
desperdícios tropicais» ou ainda na página 84 se o poema lembra os anões mascarados
e conclui: «os baixinhos reinam por uma noite» ou por fim na página 29 quando o
vereador não responde mesmo tratado pelo primeiro nome.
(Editora: On y va, Foto do
autor: Dora Nogueira, Grafismo e paginação: João Paulo Fidalgo)
[Um livro por semana 664]