terça-feira, 30 de outubro de 2018

«Dispatch Vox» de Jorge Fernandes



Depois de «Este tempo de aqui» (2012), «Agora o mar» (2013) e «Actuação prescrita» (2014) surge este novo original «Dispatch Vox» (2017) de Jorge Fernandes (n.1980) com 91 páginas organizadas em três sequências (Aforísticas, Vazadas e Dispatch Bodmer), livro que é dedicado «aos que não adormeceram na esperança da ressurreição». Na página 31 da Revista Olga (Madrid Dezembro 2017) o poema de Jorge Fernandes apela para uma «homenagem à literatura» pois convoca poemas de Fernando Assis Pacheco e de Ruy Belo. Trata-se de uma poesia culta e informada da autoria de um Poeta que em termos simples já leu tudo o que havia para ler na Poesia Portuguesa.
Um dos poemas iniciais deste livro refere «O medo muda o Mundo» quando se sabe que para Ruy Belo «O medo da morte é a fonte da arte». Na segunda sequência a ironia atinge um universo que o poeta bem conhece : «Só os advogados pouco ortodoxos descrêem da justissa?». É possível que o erro de ortografia em Justiça surja para acentuar uma ideia muito divulgada em quem frequenta Tribunais: «O Direito é o maior inimigo da Justiça». Na terceira sequência citamos «Memória digenital» como exemplo de uma escrita oscilando entre a ironia e o pleno usufruto do jogo das palavras: «Não conseguia decidir entre Marylin, aliás Norma Jean, que deu forma á norma dos jeans e Brigitte Bardot dita bêbê em bendita cara de bebé. Sem fio condutor, meteu-lhes pén…drive.»

(Editora: Quarto Crescente, Desenhos: Luís d´Orey, Capa: Fatehpur Sikri, Foto: Sara Vieira, Composição: César Antunes)

[Um livro por semana 597]

terça-feira, 23 de outubro de 2018

«Mil e outras noites – Uma antologia» de Eduardo Guerra Carneiro



Eduardo Guerra Carneiro (1942-2004) começou a publicar em 1961 («O perfil da estátua») mas é um livro de 1970 («Isto anda tudo ligado») que o torna conhecido, citado e referido. Jornalista sempre (República, O Século, Diário de Lisboa, Diário Popular, Tempo) a sua poesia é feita, segundo Vítor Silva Tavares em Agosto de 1978, de «memórias, sonhos, encontros, desencontros. As marcas incisivas do prazer – e do conhecimento da dor».
O jornal «Tempo» saía à quinta-feira, veja-se o poema da página 34: «Abandono agora estas palavras / e deixo que elas sirvam de pedal. / À quinta-feira tombam desarmadas. / Em desleixo as largo. Não são estas / já minhas as palavras. São papel.» Em Mafra o poeta teve como companheiros de Instrução José Cid, Nuno Guimarães e Adriano Correia de Oliveira. Lá, na Tapada, ensinavam a matar: «Em certos meses mafras se povoam / de soldados novos. São meses sol / de guerra que aqui dentro vai roendo / as mãos e lá fora vai matando / homens.»
A poesia de Eduardo Guerra Carneiro oscila (também mas não) só entre a paisagem e o povoamento, entre as corridas e os cafés. Vejamos no primeiro caso: «As motos roncam no circuito / de Vila Real e lá estou eu, pendurado no muro das traseiras, a espreitar a Norton  / que vem à cabeça, curvando, espectacular / na rampa de São Pedro.» No segundo caso temos «Nos cafés desenham os paisanos, vulgares / senhores de bagaço e genebra, raspando o mármore / entre as folhas do jornal. Morrem os cafés / com seu bilhar, bengaleiro e escarrador.» O poeta era vizinho de gatos e de Agostinho da Silva: «Resta-me ouvir os do vizinho, também sábio / e eu próprio ronronar / para o teu sorriso, de gato, no plátano».
Findo o livro de 202 páginas fica o desafio de sempre e para sempre: «É um desafio permanente esta aventura da escrita, corpo-a-corpo com o desejo de inventar a comunicação ou descrever o desejo. Desafio, pois, entre os muros da ignorância , os canais da imaginação, na paisagem real ou recriada.»

(Editora: Língua Morta, Selecção: Miguel Filipe Mochila, Prefácio/Posfácio: Vítor Silva Tavares, Colaboração: Sérgio Guerra Carneiro)

[Um livro por semana 596]

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

«II Colóquio da Ribeira de Muge – O Culto Mariano» de Roberto Caneira, Ana Correia, Manuel Evangelista e Aurélio Lopes



Realizado em 10-6-2017, este Colóquio foi organizado pela Academia Itinerarium XIV da Ribeira de Muge e pela Junta de Freguesia da Raposa. Das quatro em presença referimos em especial a comunicação de Aurélio Lopes que tem início com um paradoxo: «A afirmação de uma divindade feminina numa organização religiosa fortemente patriarcal é algo, à primeira vista, insólito e inaudito.» De facto numa sociedade constituída por «pastores, artesãos e mercadores» a mulher é a vilã: «trai e arrasta o homem num intemporal processo de desobediência, justificando assim todo um interminável percurso de estigmatização e sujeição, na família e na sociedade. É Pandora. É Eva. As mulheres serão, assim, profundamente secundarizadas e subalternizadas.» A conclusão surge na página 49: «O Cristianismo (como o Judaísmo e o Islamismo) possui apenas um Deus, um Deus estereotipadamente masculino, dir-se-á. Mas o Cristianismo irá impregnar sistemas culturais, religiosos e filosóficos muito diversificados e muito diferentes das matrizes ideológicas donde emana. Muitos deles habituados, há milénios, a divindades femininas ligadas à terra, fertilidade, saúde e ciclos de vida. A ascenção gradual do culto mariano virá, assim, a preencher uma evidente necessidade entre as massas cristãs, sobretudo entre as populações rurais e menos instruídas.»

(Editora: Academia Itinerarium XIV da Ribeira de Muge, Capa: Manuel Evangelista, Patrocínios: Fidalgo & Mindrico Lda, Tolaoleu, Caravana Centro e Itinerarium XIV, Coordenação: Manuel Evangelista e Samuel Tomé)

(Um livro por semana 594)

domingo, 7 de outubro de 2018

«Guia de Campo – Praia Fluvial do Malhadal – Ribeira da Isna» de Patrícia Garcia-Pereira, Eva Monteiro, Albano Soares, Sandra Antunes e Rui Félix



O texto da contra-capa resume o que é este livro de 171 páginas: «Este guia contém informações sobre 180 espécies de plantas, insectos, anfíbios, répteis, aves, mamíferos e peixes, observados na Praia Fluvial de Malhadal, no trilho marcado ao longo da Ribeira da Isna. Destaca-se a diversidade de insectos, em particular gafanhotos e grilos, libelinhas e libélulas, assim como borboletas diurnas» Na introdução pode ler-se: «Este guia foi elaborado a partir de uma série de visitas ao trilho da Praia Fluvial do Malhadal para inventariar a biodiversidade observada, especialmente plantas e insectos, que são a base do funcionamento de qualquer ecossistema terrestre.»
Criada em 1983 com a ideia de garantir a água às terras (solos) das proximidades, a Praia Fluvial do Malhadal tem um potencial turístico muito forte: solários, bar, esplanada, parque de merendas, churrasqueira e parque aquático insuflável, por exemplo. Este guia faz um inventário que valoriza e divulga os dois mundos desta Praia Fluvial – o animal e o vegetal. A título de exemplo na página 53 pode ler-se na ficha da «silva» esta observação: «os seus frutos, as amoras, são muito apreciados pelos humanos, aves e mamíferos.» Outra informação curiosa pode ler-se na página 135: «Achigã: originária do sul do Canadá e norte dos Estados Unidos da América e introduzido em Portugal em 1898 na Lagoa das Sete Cidades, Açores. Está presente no continente português desde 1952, tendo-se espalhado rapidamente por todas as bacias hidrográficas particularmente a sul do Rio Tejo.»        

(Editora: Livros do Corvo, Prefácio: João Lobo, Capa. Rui Félix, Fotografias: Albano Soares, Armindo Alves, Carlos Alexandre, Centro Ciência Viva da Floresta, Eva Monteiro, Frank Pennemkamp, João Carrola, Patrícia Garcia-Pereira e Rui Félix, Design: José Perico, Colaboração: Sónia Tomé)

(Um livro por semana 595)