Este primeiro livro póstumo de
José Correia Tavares (1938-2018) integra nas suas 96 páginas uma divisão com o
título de «Cronista da Reino» mostrando que o autor perfila lado a lado (dito
de modo simples) o «eu» e o «nós», tal como assinala Mário de Carvalho no
prefácio: «junta nos seus versos o absurdo, a ternura, o espanto, a ironia e o
sarcasmo». O título do volume está na página 21: «Facturando Bem e Mal/Erecto,
só duas pernas/Sou herdeiro universal/Desde o tempo das cavernas».
O poeta apresenta-se em três
quadras. Primeira - «Em todo e qualquer momento/Mas sempre de face nua/A mim é
que represento/No grande palco da rua.» Segunda - «Por muito gostar de
ti/Também pela poesia/Olhei coisas que não vi/Vi coisas que nem havia.»
Terceira - «No fim de longa romagem/Por terras que nem sabia/Encontrei a
personagem/Da minha biografia.»
Portugal está noutras três.
Primeira - «Desde Beja até Marvão/Barros e areias sem nome/São estas terras de
pão/Também aquelas da fome.» Segunda - «Ao leme perdeu o norte/Coisa com coisa
não diz/Merecia melhor sorte/Este barco – meu país.» Terceira - «Versos que
passo ao papel /Com nível, fio de prumo/Doces ou sabendo a fel/O meu país em
resumo.»
Entre o Poeta e o País surge a
Poesia em mais quadras. Primeira - «Nem sei se isto te magoa/Tanta obra
publicada/Basta um livro do Pessoa/Para não valeres nada.» Segunda - «Autoria
veneranda /Ou um estilo mais leve/só a palavra comanda /Não quem os livros escreve.»
Terceira - «Se achasse não ser nada/O que faço em poesia/Adeus já noite
fechada/Nunca mais ninguém me via.»
A cultura está representada em
mais três quadras. Primeira - «Eu prefiro a alegria/mais pimba dos arraiais/À
grande sensaboria/Destes serões culturais.» Segunda - «O ter dito bem de
mim/Deixou-me desconfiado/Elogio dum Caim/Não é letra do meu fado.» Terceira -
«É bem do povo miúdo/Minha seiva elaborada/Doutor só pelo canudo/Valeria pouco
ou nada.»
Fica a chamada de atenção para
um livro fascinante e singular no qual a Morte, as Artes e Letras, o Amor e até
o Futebol surgem em quadras certeiras de um trabalho que continua: «Retiro do
meu tear/Manta jamais concluída/O fio para enfiar/As contas que deito à vida.»
(Editora: adab Edições Húmus, Prefácio: Mário de Carvalho, Capa: Natércia Tavares, Apoio: Município de Gouveia)
[Um livro por semana 681]