terça-feira, 31 de agosto de 2021

As buganvílias de Marta na ADECO

Passaram já trinta e quatro anos mas tudo permanece igual no recreio da ADECO com as paredes caiadas e os pneus dos meninos em sossego mas por pouco tempo. As buganvílias de Marta são uma afirmação do calendário; o seu esplendor está no coração do mês de Maio prestes a despedir-se do Mundo entre o Dia da Mãe e as primeiras cerejas tão vermelhas como as flores. Aqui, no recanto do recreio dos meninos, só os pneus podem dialogar com a exuberante beleza das buganvílias. Com uma diferença: os pneus precisam de perícia, de velocidade e de destreza mas as flores não precisam de nada; elas já são só por si o maior valor acrescentado à luz da manhã no Jardim Infantil.

Na grande seara de lágrimas e de sangue pisado, de saudade e de distância, as buganvílias de Marta na ADECO são mais que uma imagem e uma memória, são o adubo da nova sementeira que todos os anos se repete no pátio onde os meninos velozes correm ao lado dos velhos pneus. Depois do frio e da chuva no Inverno vem o Sol e o calor da Primavera. Como se fosse também um relógio, o tempo dá a sua luz ao esplendor das buganvílias. É assim como a Música, uma melodia com princípio, meio e fim mas que, mesmo depois do último acorde, não se perde mesmo quando se deixa de ouvir. E continua a cantar, como se fosse um leve sussurro, no coração de cada um de nós. (escrito sobre uma foto de Ana Isabel)

[Crónicas do Tejo 286]


sexta-feira, 13 de agosto de 2021

«Basalto» de Ana Franco

O título do livro vem do poema da página 93: «Basalto, /em ti deixei impressa /a Saudade/ a melodia entre o Mar e a rocha /a paleta de cor e tons…» Há ao longo deste volume de 174 páginas uma dupla inscrição: Natureza e Cultura.

De um lado a Natureza: «Se consultar /o dicionário da alma/impresso está /o encanto. /És mais do que a semente. /Para ti o Mundo/criado foi. /Toda a Natureza /o teu olhar espera.» Do outro lado a Cultura, as Letras e as Artes. Seja Domingos Rebelo e Tomaz Borba Vieira («Se os “Emigrantes” de Domingos Rebelo, pendurado numa das paredes do “Bureau de Turismo”, à guarda do Senhor Silva Júnior me fascinavam no meu tamanho de pigmeu na Vida e na Arte, agora idosa encontro-me diante dos “Regressantes” de Tomaz Borba Vieira. Dilatam-se as pupilas do meu olhar»), seja Lagoa Henriques («Mestre, porque se esconde a sua assinatura na sola do sapato de Fernando Pessoa… Do Fernando Pessoa em bronze porque o de carne, o escrito…todos os dias vivo é e ambos sabem o que mais ninguém sabe.» ou Raul Brandão («As Ilhas desconhecidas mostram bem o teu amor à Natureza por Deus criada») ou ainda António Rego: «Sentei-me no quarto/da minha alma/e perplexa fico /com o seu texto./ Afirmo com/a força do Mar/a cor da lava./A Beleza habita /em si /não em mim. /Agora sei /a cascata/não canta, reza/ As hortênsias /eternas são/ É o mar quem escreve. /A luz que pela janela entra/ a brilhar deixa /o pó que em mim habita. /O orvalho sois Vós/ Senhores das Brisas.»    

O poema da página 54 pode ser lido como mensagem final: «Perdão Pintura! / Perdão Desenho! /Escrava vossa sou. / Mas em liberdade /o Poema flutua».

(Editora: Letras Lavadas, Prefácio: Carlos Melo Bento, Capa; Pedro Garoupa, Palavras de: Anabela Almeida, Vamberto Freitas, Jaime Gama e João Bernardo Rodrigues)

[Um livro por semana 672]