sexta-feira, 25 de maio de 2018

Carlos Pinhão entre o Chiado e o Tejo



Do Largo do Chiado vê-se o Rio Tejo e os cacilheiros até parece que «estacionam» nos telhados dos prédios do Cais do Sodré e da Rua do Alecrim. Quando o jornal desportivo A BOLA era publicado às segundas, quintas e sábados, quando estava algum calor na cidade e não havia ar condicionado na redacção do jornal, o Carlos Pinhão (meu mestre informal de Jornalismo) vinha até à janela que dava para a Rua Diário de Notícias ver as cenas próprias do Bairro Alto: uma taberna, uma velha, um rapaz atrevido a chamar-lhe velha, um berreiro interminável. No fim nascia um poema que eu viria a ler mais tarde num livro de Luiz Pacheco. Longe vai o tempo de Eça de Queiroz escrever «o que um pequeno grupo de jornalistas, de políticos, de banqueiros, de mundanos, decidir no Chiado que Portugal seja – é o que Portugal é.» Lá pelos idos de 1966 ainda se dizia que o Chiado era um Estado dentro do Estado: tinha como qualquer Estado o seu Governo, o seu Parlamento, a sua Academia e a sua Catedral. O facto de um meu livro de crónicas ter o título de «Entre o Chiado e os Açores» levou-me a procurar saber mais sobre este lugar mágico, pitoresco e elegante Sempre ouvi falar do poeta António Ribeiro Chiado como estando na origem do nome do Largo e, por reflexo, do espaço à sua volta. Um belo dia Alberto Pimentel encontra um documento datado de 1567 mencionando um tal Gaspar Dias, de alcunha «o Chiado», como proprietário de uma taberna que se situou um pouco acima da esquina da actual Rua do Carmo com a Rua Garrett. Será o Chiado taberneiro ou o Chiado poeta o tronco genealógico do Chiado artéria alfacinha? Isso não sei nem estou interessado em saber. Sei que, como Carlos Pinhão descobriu há muitos anos, uma taberna é como um poema, um lugar feliz onde ninguém está só. 

(Crónicas do Tejo 115)

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Quirino Teixeira – memórias dum jornalismo romântico



Quando refiro (e nunca é de mais) os meus mestres do Jornalismo no «Diário Popular» (Jacinto Baptista) e em A BOLA (Carlos Pinhão) não posso esquecer o que aprendi com Quirino Teixeira na redacção da Revista do Jornal TEMPO. Foi ele que me ensinou o pouco que sei sobre paginação de jornais e revistas, coisa essa que tão útil me foi mais tarde em todos os jornais onde trabalhei primeiro como colaborador e depois como redactor efectivo. Há muitas histórias engraçadas. Um dia, por alturas de uma passagem de ano, sugeri que na próxima semana só se referissem livros infantis sob o título de «Na semana mais pequena, livros para os mais pequenos». Quirino achou piada e disse-me para nunca me acanhar com sugestões. Um fim de tarde, passámos largo tempo a escolher uma capa para a Revista a cores (era uma igreja numa ilha açoriana) e, dois dias depois, quando o jornal saiu para as bancas, a capa era outra. Alguém se tinha chegado à frente com duzentos e cinquenta mil escudos e por isso a capa era uma família feliz – pelo menos na fotografia. Outra vez foi a nota de leitura que assinei sobre um livro do José Agostinho Baptista; ao chegar ao Funchal o poeta recebeu um envelope da sua irmã com vários textos de jornais da Madeira sobre livros recentes deste autor. Alguém, num jornal local, tinha achado que o melhor e mais fácil era copiar na íntegra o que eu tinha escrito no TEMPO. Chamo-lhe jornalismo romântico porque não havia interesses materiais em jogo, as coisas eram feitas pelo prazer de, todas semanas, sair para a rua uma revista onde estava o melhor de nós. Era essa a contrapartida, a moeda de troca. Poderia lembrar que Quirino Teixeira entrevistou Fernando Namora, Salvador Dali, Juan Miró, Antoni Tapiés, Ana Maria Matute, Camilo José Cela ou António Vallejo mas isso já é outra crónica.  
    
(Crónicas do Tejo 114)


sexta-feira, 11 de maio de 2018

«O processo de Camilo»



Novo livro de Carlos Querido

Foi apresentado em Caldas da Rainha no passado dia 14 de Abril o mais recente trabalho de Carlos Querido. Nasceu em Salir de Matos (1956), viveu em Santarém cinco anos e é hoje juiz desembargador na Relação do Porto. Autor de Salir d´Outrora (2007 e Praça da Fruta (2009) publicou recentemente Insanus (contos) depois de Príncipe Perfeito – Rei pelicano, coruja e falcão e A redenção das águas. Este livro é um pequeno ensaio de 36 páginas escrito a partir do processo judicial existente no Tribunal da Relação do Porto que narra o drama de Camilo Castelo Branco e Ana Plácido, presos, acusados e julgados pelo crime de adultério. 

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Correio do Ribatejo 127 anos depois



O jornalista como historiador do quotidiano

Quando comecei a escrever nos jornais (1978) Jacinto Baptista afirmava no «Diário Popular» - «o jornalista é o historiador do quotidiano». Ora o quotidiano português em 9-4-1891 (já lá vão 127 anos) era dominado pelo Ultimato Britânico de 1890 e pelo movimento patriótico que se levantou contra aos ingleses. O patriotismo era comum a toda as classes sociais. Basta lembrar que as comemorações camonianas de 1880 foram financiadas pelo Conde de Burnay, que o Duque de Palmela devolveu as suas condecorações trazidas de Londres ao embaixador inglês em Lisboa e que a Duquesa de Palmela organizou uma «sopa dos pobres» em Lisboa. Associações, Clubes e Filarmónicas ganhavam expressão. Mas não era só Luís de Camões que se comemorava: o 24 de Julho (de 1833) marca a chegada a Lisboa das tropas liberais, o 1º de Dezembro (de 1640) marca a recuperação da independência nacional e sem esquecer a romagem anual ao túmulo de Joaquim António de Aguiar (1793-1871) conhecido como o «Mata Fardes». O Governo inglês sonhava com um corredor continental em África do Cairo ao Cabo mas o chamado Mapa Cor-de-Rosa propunha que Portugal ocupasse o vasto território entre Angola e Moçambique. Em 11-1-1890 o embaixador britânico em Lisboa exigiu a retirada imediata das forças militares portuguesas estacionadas no Noroeste de Moçambique (Chire e Machona) e ameaçando com o uso da força caso o nosso país não aceitasse a exigência até às 10 horas da noite do dia 11-1-1890. O Governo português reúne-se de emergência com o Conselho de Estado e salvo duas excepções, todos os membros do Governo e do Conselho de Estado aceitam a imposição britânica. Claro que a 14-1-1890 o Governo demitiu-se e o novo Governo (regenerador) aceitou o Ultimato. O resto está nos livros, é História. Mas o «Correio do Ribatejo» que hoje, continua o que começou há 127 anos como «Correio da Extremadura», é também, História. O passado dá a todos nós que o fazemos hoje um orgulho, uma vontade e uma força enormes, o futuro é um horizonte de muitas coisas possíveis. O presente é esse intervalo feliz entre o passado e o futuro, espaço no qual o sonho dos pioneiros de 1891 continua activo e desafiador: contar às pessoas as suas próprias histórias, fazer da cada novo jornal um ponto de encontro, ser o historiador do quotidiano de todos nós.