Vergílio Alberto Vieira
(n.1950) é um autor multifacetado com livros de Poesia, Ficção, Teatro,
Tradução, Ensaio e Diários. Neste seu recente livro de 125 páginas, à maneira
de Ruben A., Carlos de Oliveira, Camilo Castelo Branco, Miguel Torga e Irene
Lisboa (por exemplo), assina um registo em forma de diário – no caso 2014-2018.
Tanto pode ser Irene Lisboa («Como tanto tempo lhe sobrou para ganhar o amor e
mais amor teve para dar que para receber, quis o destino que, a Irene Lisboa,
tempo não faltasse para fazer do pão o entendimento oferenda ao mundo») como
uma nota pessoal («De muitos sítios sou mas não sei onde moro, até alguém dizer
por mim onde poderei morrer.»), outra sobre familiares desavindos («Uns passam
os dias a erguer castelos em estranhos reinos, outros, a derrubá-los em reinos
estranhos.») ou sobre as pandeiretas televisivas: «Praça da Alergia, Pareço
Certo, As Seitas lá de Casa, venha o diabo e escolha»). A escrita nunca se fixa
apenas no «eu»; abre as palavras para o «nós»: «Se as lágrimas, pensavam os
antigos, são a chuva que molha a vida inteira, a que hoje desaba sobre a
humanidade é sinal de morte: chuva ácida em tempo de «deuses sem altura» (
Saint-John Perse) O ensaísta Manuel Antunes
surge na página 104: «Pelo carácter, pelo escol de pensamento, elegância
de estilo; pela elevação do espírito que, a seu tempo, lhe adveio daquela
piedade natural da alma, que a medida do silêncio confere aos justos, há que
reconhecer em que sentido a lição de Propertius nos legou a arte de, com um
remo, tocar a água; com o outro, a margem do rio.» Sempre a reflexão sobre a
arte de escrever: «Escrever é ler o mundo conquanto o que lê não saiba ler nem
escrever.» Sem esquecer uma bela síntese: «a boa escrita mostra, não diz.»
Sendo o autor mais reconhecido como poeta, lá está a página 29 para o lembrar:
«CARLOS PAREDES Dedilha pétalas / de rosa / o frio sangue / chama»
(Editora Crescente Branco, Capa: Museu de Atenas, Retrato do autor:
Emerenciano, Prefácio: António Cabrita)
[Um livro por semana 698]