domingo, 30 de setembro de 2018

Zeffirino Giménez Malla – um cigano que foi santo


Não se sabe o dia nem o lugar do nascimento de Zeffirino Giménez Malla conhecido como Pelé. Nasceu em 1861, filho de Josefa Malla e João Jiménez e é possível que tenha vindo ao Mundo em Alcolea de Cinca (Huesca) ou em Benavente (Lérida) porque os pais eram nómadas e atravessaram várias localidades da Catalunha e de Aragão. Aprendeu a arte de cesteiro com um tio e vendia cestos e canastras pelas aldeias. Como nunca passou pela Escola não sabia ler nem escrever nem fazer contas. Casou em 1912 com Teresa Jiménez Jiménez e como não tiveram filhos adoptou uma sobrinha da esposa – Pepita. A maneira como Zeffirino se tornou «comerciante de cavalos» diz bem da sua dimensão humana: um dia numa estrada não teve medo do vómito de sangue de Rafael Jordán e levou-o para casa. O irmão de Rafael (Simón) ofereceu-lhe muito dinheiro sugerindo-lhe a compra de mulas que o governo francês estava a vender . Com parentes chegados em Dax, Zeffirino fez negócio e enriqueceu em 1919 no fim da I Guerra Mundial. Pelé foi um cigano que deu um testemunho forte da sua vida cristã tanto aos ciganos como aos camponeses. Rufino Bruno Vidal afirma o seguinte: «O Pelé era um homem muito honesto no seu trabalho de comerciante de cavalos e nunca se permitia enganar alguém, antes repreendia aqueles ciganos que procuravam enganar os camponeses dizendo que não deviam fazê-lo e era muito amado e apreciado pelos camponeses.» O seu martírio foi em 1936 (talvez 2 de Agosto) e a prisão terá sido porque lhe perguntaram se trazia armas e ele mostrou o terço. Sabe-se que durante a Guerra Civil de Espanha foram fuzilados milhares de sacerdotes, religiosos e também leigos mas os fuzilamentos foram de ambas as partes. Numa guerra civil todos são pecadores; não há santos. Como Pelé, cigano e santo.

(Crónicas do Tejo 129)

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Gonçalo Pereira Rosa - «já nada me espanta» e outros casos tristes


Começo o texto com uma nota pessoal: prestes a completar 40 anos de actividade em jornais e revistas não me envergonho de nada do que publiquei mas arrependo-me de ter publicado sem anotações no Jornal «Sporting» uma página do livro «Repórteres e Reportagens de Primeira Página» de António Valdemar e Jacinto Baptista. Trata-se de um jogo entre o SCP e o Sport Lisboa em 1-12-1907 ao qual foi atribuído por erro crasso o título de «O primeiro derby» isto porque o SLB não podia ter disputado nenhum jogo antes de 13-9-1908. Gonçalo Pereira Rosa estudou agora o caso do assassinato da actriz Maria Alves em 1926 e publicou dois livros onde esse tema é desenvolvido mas o «Magazine» do «D.N.» publicou outro dia um texto sobre o assunto como se a pólvora estivesse a ser descoberta agora, no ano de 2018. Gonçalo respondeu com ironia a quem o interpelou sobre este caso: «Já nada me espanta». Outro dia passou-me pelas mãos um recorte da revista «Sábado» com a história da macaca de Oliveira de Azeméis, vila onde a comitiva do SCP costumava parar nos anos 40 antes de ir jogar com o FCP. Claro que os «leões» ganhavam, perdiam ou empatavam segundo factores determinados: as incidências do jogo, os erros dos jogadores de ambas as equipas, a influência da arbitragem que, muitas vezes, é decisiva. Ou seja – outras macacadas. Há por ali o perfume da prosa de António Simões («A Bola») mas uma coisas destas não é para quem quer, é para quem pode. Não dá para imitar. Voltando ao «Magazine» que faz parte do «D.N.» não bastava terem trocado «enclave» por «conclave» a propósito da Síria. Apetece dizer como a minha avó de Santa Catarina: «Não há direito!» E ela não desconfiava do que muito mais tarde eu verifiquei nos Tribunais de Menores: o Direito é o maior inimigo da Justiça.

(Crónicas do Tejo 128)

sábado, 15 de setembro de 2018

Os Totós ou Futebol, Mentiras e Falsificações


Nota prévia – Este Totó é um magnífico trabalho de caricatura do meu grande amigo Aniceto Carmona, natural de Vila Velha de Ródão. Primeiro caso: No «Notícias Magazine» de 18-3-2018 integrado no jornal «Diário de Notícias» desse dia o texto de Ferreira Fernandes refere as datas de Fernando Peyroteo como 1918-1968 quando o correcto é 1918-1978. Segundo caso: No Palácio Baldaya, numa exposição sobre o passado de Benfica, refere-se a Fábrica Simões & Cia Lda (malhas e confecções) situada na Avenida Gomes Pereira e pode ler-se o seguinte: «Fábrica em Palma de Baixo (Lumiar)». Terceiro caso: Na Estrada de Benfica está escrito numa chapa metálica da Câmara Municipal de Lisboa o seguinte: «Campo da Feteira. Este foi o primeiro campo atlético que pode considerar-se ter pertencido ao então designado Sport Lisboa, actual Sport Lisboa e Benfica. Inaugurado em 1907, o campo tinha capacidade para 8.000 espectadores, medindo 120 metros de comprimento e 79 metros de largura. O erro está na confusão estabelecida entre o Grupo Sport Lisboa, fundado em Belém no dia 28 de Fevereiro de 1904 e o Sport Lisboa e Benfica fundado em 13 de Setembro de 1908. Pelo meio fica o Sport Clube de Benfica, fundado em 26 de Julho de 1906, esse sim o proprietário do Campo da Feteira. O Sport Clube de Benfica praticava o atletismo e o ciclismo. Por essa razão o emblema do novo Clube em 1908 (S.L.B.) inclui a roda da bicicleta ao lado da bola e da águia. Não saber isto é ser Totó. Utilizar expressões dúbias como «pode considerar-se» é mais que isso, é ser Totó ao quadrado. Ninguém os proíbe de serem Totós mas não podem é tratar os outros como se fossem Totós. Deixem isso para a Universidade da Rabicha que tem uma parede branca capaz de aceitar tudo. Todas as mentiras e todas as falsificações.

(Crónicas do Tejo 126)

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Testamento espiritual e últimas vontades de João XXIII



João XXIII (1881-1963) é o Papa a quem muitos de nós (nasci em 1951) devem o fim de um dos mandamentos que se aprendiam quando a Catequese se chamava Doutrina: «Ouvir missa inteira e abster-se de trabalhos servis nos Domingos, Festas e Dias de Guarda». De facto foi no Concílio Vaticano II que se deu o fim da missa «ouvida» para se iniciar a missa participada pois os celebrantes passaram a estar virados para o Povo em vez de se colocarem de costas. Posto isto vamos à citação retirada do livro Diário Íntimo de João XXIII (Editora Morais): «Peço perdão àqueles a quem inconscientemente ofendi; àqueles para quem não consegui ser motivo de edificação. Sinto que nada tenho a perdoar seja a quem for, porquanto em todas as pessoas que conheci e que comigo tiveram relações – mesmo que me tivessem ofendido ou desprezado ou tivessem tido pouca estima por mim (com razão, de resto) ou me tivessem dado desgostos – apenas encontro irmãos e benfeitores, a quem estou grato e por quem rezo e rezarei sempre. Nascido pobre mas de gente honrada e humilde, sinto-me particularmente feliz por morrer pobre, tendo distribuído, segunda as várias exigências e circunstâncias da minha vida simples e modesta, ao serviço dos pobres e da Santa Igreja que me alimentou, tudo o que me veio parar às mãos – em proporções bastante limitadas de resto – durante os anos do meu sacerdócio e do meu episcopado. Agradeço a Deus esta graça da pobreza de que fiz voto na minha juventude, pobreza de espírito, como padre do Sagrado Coração e pobreza de facto; e o amparo que me deu, a fim de não ter precisado de pedir nunca nada, nem lugares, nem favores, nem dinheiro, nem para mim nem para os meus parentes e amigos.» O texto é datado de Veneza em 29 de Junho de 1954 (fim de citação).

(Crónicas do Tejo 127 – fotografia de autor desconhecido)