Soledade
Martinho Costa que desde 1973 é reconhecida como autora de livros de poesia,
teatro, etnografia e literatura infanto-juvenil, estreou-se no campo da crónica
em 2015 com «Uma estátua no meu coração». Este segundo livro de crónicas num
total de 214 páginas integra 61 textos divididos em 4 grupos: «Abre-latas»,
«Histórias da Velha do arco», «Segredos» e «Crónicas de Porcelana». O ponto de
partida do livro é uma frase de José Saramago no livro «Deste Mundo e do
outro»: «Crónicas que são? Pretextos ou testemunhos?» Mas também um ideia do
mesmo autor, citada na página 9, logo a seguir à dedicatória: «A vida, que
parece uma linha recta, não o é. Construímos a nossa vida só uns cinco por cento, o resto é feito pelos
outros, porque vivemos com os outros e às vezes contra os outros.»
Esta
ideia de «viver com os outros» (título de um livro de Isabel da Nóbrega) está
presente na atitude da autora perante figuras das Artes e das Letras que povoam
algumas da crónicas como Sarah Affonso, Amália Rodrigues, Afonso Praça, Tóssan,
Carlos Nejar, Luiz Pacheco ou Francisco Lyon de Castro. Para dar uma ideia
aproximada do interesse deste livro de crónicas fiquemos por três citações. A
primeira sobre a profissão de escritor: «Dirigi-me ao Hospital Novo de Celas,
em Coimbra, ali a dois passos. Para meu espanto a funcionária desfez de
imediato as minhas dúvidas com a seguinte explicação: - Sabe, é que no nosso
ficheiro não consta a profissão de escritora. A palavra mais parecida é
escriturária. Por isso é que está assim escrito – e acrescentou: - Já há uns
meses, esteve cá um escritor e aconteceu a mesma coisa; nós escrevemos
escriturário, lembro-me muito bem. Ele chamou-nos a atenção mas, como disse,
essa profissão não consta do nosso ficheiro.» A segunda, a propósito do livro
«Os contos exemplares» de Sophia de Mello Breyner é uma situação passada numa
livraria de Lisboa: «Não leve. Esse livro é já muito antigo. Foi escrito há
muito tempo. Tem aqui outros mais modernos… Não quer ver?» A terceira citação
surge na página 85: «são mesmo os Portugueses um povo adverso aos livros e à
leitura? Um povo que não lê? Que mal conhece os seus autores? Que prefere o
futebol e as tristes cenas de muitos dos programas que entram na nossa casa sem
nos pedirem licença, transmitidos pelos canais de televisão? Que tem absoluto
desconhecimento da importância da leitura? Ou a razão deste despovoamento nas
livrarias tem origem noutras causas? A situação difícil em que os Portugueses
vivem (nem todos, é claro!)? A falta
de dinheiro para gastar em livros quando a despensa está vazia?»
(Editora: Sarrabal, Capa: «A feira» de
Petrus van Shendel, Revisão: L. Baptista Coelho - Um
livro por semana 588)