domingo, 28 de abril de 2019

«António Botto – Projecto de um livro» de Fernando Pessoa



Nuno Ribeiro, autor de inúmeras edições e estudos sobre a obra de Fernando Pessoa publicados na Europa, no Brasil e nos E.U.A. além de coordenador com Cláudia Souza da «Coleção Pessoana» da Editora Apenas Livros, organiza este livro de 72 páginas que surge na sequência dos anteriores «Escritos sobre o Tédio», «Poemas à Noite» e «Poemas ao Vinho», tem um objectivo («constituir-se como um contributo para o estuda das relações entre a obra de Botto e de Pessoa») e integra textos transcritos directamente do espólio de Fernando Pessoa que se encontra na Biblioteca Nacional de Portugal.
O ponto de partida é a reflexão de Eugénio de Andrade que define a poesia de António Botto (1897-1959) deste modo: «Sortilégio rítmico, linearidade discursiva, preferência pelas cadências da fala e pela frase directa roçando às vezes pela vulgaridade, concisão próxima da melhor tradição popular, sensibilidade atenta à realidade imediata, ausência de preocupações metafísicas, gosto por um hedonismo esteticista e ainda alguma pobreza ao nível do pensado e do sentido, tornaram esta poesia notada por espíritos exigentes e, simultaneamente, acessível». É um facto que as elites portuguesas preferiram Pascoaes, José Régio e Fernando Pessoa nos anos 20, 30 e 40 em detrimento de António Botto, sendo ele o poeta mais falado. Jorge de Sena, por sua vez, define esta poesia em quatro fases: primeiro juvenil com influência de Correia de Oliveira, Augusto Gil e Lopes Vieira, depois simbolístico-esteticista, a seguir pessoal e original e, por fim, decadência longa e triste.
Fernando Pessoa (1888-1935) dá início ao estudo sobre António Botto com as seguintes palavras: «António Botto é o único poeta português, dos que sabemos que existem, a quem a designação de esteta se pode aplicar distintivamente, isto é, como definição bastante, sem acréscimo nem restrição. É este o teorema; o fim deste breve estudo é demonstrá-lo. Todo poeta, porque todo artista, é forçosamente esteta, pois esteta significa, primariamente, cultor da beleza e todo artista e portanto poeta é, pelo menos, cultor da beleza pela criação dela. Há porém poetas e artistas que criam beleza por um movimento íntimo espontâneo, em que a ideia de beleza não figura como elemento determinantes: assim um Byron ou um Shelley olha menos à beleza possível do que cria ao aliviar a alma do peso de uma emoção e a criação da beleza é mais parte do alívio que preocupação directa. Outros há que, escravos embora da beleza são, todavia, no mesmo tempo, súbditos de outras preocupações , como a religiosa em Dante e Milton e a psicológica em Shakespeare.»

(Editora: Apenas Livros, Capa: Susana Resende)

 [Um livro por semana 617]

quinta-feira, 18 de abril de 2019

«São feitas de palavras as palavras» de Carlos Nogueira



Carlos Nogueira adverte logo na página 7 deste livro de «Ensaios de literatura portuguesa»: «Nem as palavras são suficientes para dizer o mundo nem nenhum ensaio literário é capaz de falar satisfatoriamente sobre um poema, um romance, um texto literário.» Num certo sentido esta situação (adversativa…) poderia levar o autor deste texto em forma de notícia/resenha a concluir pela impossibilidade de resumir um livro de 407 páginas em 25 linhas. Mas não.
Comecemos pelo princípio. Afirma o autor o seguinte: «De que se trata neste volume é de ler textos literários, de investigar a pluralidade dos seus códigos, a multiplicidade e a infinitude dos seus significantes e das suas relações de significado.»
Aqui se estuda uma parte significativa da Poesia Portuguesa dos séculos XIX e XX: Nicolau Tolentino, João Penha, Guerra Junqueiro, Gomes Leal, Álvaro de Campos, Jorge de Sena, Alexandre O´Neill ,Liberto Cruz, Manuel António Pina e Daniel Faria. No que diz respeito à Ficção os ensaios dizem respeito a obras de Camilo Castelo Branco, Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, José Saramago, J. Rentes de Carvalho, Afonso Cruz e Valter Hugo Mãe.
As últimas doze linhas da Introdução do autor acabam por ser também uma reflexão geral sobre o acto de escrever e são exemplares daquilo que este livro proporciona ao leitor: «Escrevemos para preencher vazios, indecisões, medos, desconhecimentos, para suprir o muito que nos falta. É na experiência dessa falta que a palavra literária nasce, mas a nova palavra logo é perturbada pela carência que a origina e, por isso, uma nova palavra ocupa o lugar da anterior Este processo não tem fim, nem na literatura nem na crítica literária. Nem uma nem a outra nos dão a plenitude que buscamos. Em vez disso, põem-nos perante os motivos, os desejos, os sentidos e os mistérios da nossa vida individual e social. Muitas das ausência que nos afectam mas também algumas das expressões triunfantes do que eu entendo que é e deve ser o universo do humano, encontra-se nos ensaios deste livro que é a utopia de um outro livro que eu não soube escrever.» Fica o veemente convite à leitura: este é um livro a não perder, sem dúvida. Quem o lê fica a ganhar sobre o que era antes.

(Editora: Edições Lusitânia, Capa: Andreia Dias)

[Um livro por semana 616]

sábado, 13 de abril de 2019

«Aquilo que não tem nome» de Victor Oliveira Mateus



Victor Oliveira Mateus organiza o volume de 67 páginas em três capítulos: «Rito matinal» (9 poemas), «Poemas de Amor e Morte» (29 poemas) e «Negro com azul ao fundo» (2 poemas). O título está no poema da página 48: «Aquilo que não tem nome / abriga-se no silêncio das ruas / acena no topo dos prédios / fala nas desabrigadas páginas / que o desalento me traz./ Aquilo que não tem nome / invade-me o corpo / enlouquece as memórias / com que insisto este casulo / raiado de melancolia./ Aquilo que não tem nome / oculta-se por entre sinais / e luzes de despedida / pedaço desse mistério / para lá da morte e da vida.» 
Há nestes 40 poemas uma dupla inscrição (Natureza e Cultura) que pode ser lida de outra maneira mas com o mesmo sentido: Geografia e Literatura. De um lado o Rio Varosa: «Agora a gincana é uma coisa ao longe, muito ao longe, fora da mulher que vai acamando as serapilheiras, dos regatos que rumam para o Varosa e dessa inominável brandura que de ti se apodera e completa.» Do outro lado a Arte Poética: «Não tens certeza alguma. Não a tens nem isso / te inquieta. Insistes em não fechar a janela, / essa ardósia rabiscada, essa amálgama de visões / que te deslumbram e perdem. Mas, vendo / bem, que coisa é essa que se diz com palavras / que não te pertencem e nem sequer entendes?»
O ponto de partida é a memória da infância («Nada resta do velho olival da minha infância») afinal uma espécie de «Imitação da felicidade» como é título dum poema - «Tudo era alegria naquele tempo com o meu tio / acenando peluches no canto do postigo e o menino / atrás de uma palmeira, esboçando destinos numa folha / de papel almaço, para que no futuro tudo / desse errado num outro presépio sombrio e lasso.» O ponto de chegada é um lugar onde se sabe que a morte é inevitável («Agora que aqui estás, deixa que o tempo afague este mármore sob o qual te vieste esconder») mas onde o poeta continua a perguntar como Camilo Castelo Branco «Onde está a felicidade?»: «a felicidade é tão só esta espera, esta serenidade entre uma árvore que te ampara e a leveza de um rio que te acena.» Ou como queria Novalis (1772-1801) e escreveu Maria Eulália de Macedo (1921-2011) a Poesia oscila sempre entre «as coisas que são verdade e a verdade das coisas».

(Editora: Coisas de Ler, Posfácio: Ana Paula Dias, Coordenação: Gisela Gracias Ramos Rosa)

[Um livro por semana 615]

terça-feira, 2 de abril de 2019

«Três Meses no Limoeiro» de Faustino da Fonseca



Faustino da Fonseca (1871-1918) deputado, senador, jornalista e escritor foi maçon desde 1895 na Loja Renascença de Lisboa. Foi deputado à Assembleia Constituinte (1911) e eleito senador pelo Círculo Eleitoral de Angra do Heroísmo (1915). Dirigiu o jornal A Vanguarda em 1895 e colaborou nos periódicos Correio da Manhã, O Século, O Mundo e A Luta .Foi director da Biblioteca Nacional entre 1911 e 1918 e sócio da Academia das Ciências de Lisboa. A sua prisão no Limoeiro entre 7 de Agosto e 6 de Novembro de 1896 fiou a dever-se a uma crítica sua no jornal A Vanguarda sobre a falta de prestação de contas da Câmara Municipal de Lisboa no que diz respeito à subscrição nacional motivada pelo Ultimato Inglês.
Como o autor explica neste livro «exponho o que é a cadeia, o que foi, o que deveria ser; colhi, compilei e publico dados estatísticos inéditos; consagro algumas páginas aos acontecimentos que determinaram a minha prisão.» Neste livro de 115 páginas o autor não se limita a falar de si e do seu caso, antes junta elementos para uma memória do Limoeiro; veja-se a página 62: «D. João VI embarcara para o Brasil em 1807, fugindo à invasão de Junot, deixando Portugal como uma péla, sujeita ao jogo de franceses e ingleses. Os cidadãos que lamentavam as desgraças nacionais, os patriotas que pensavam na forma de melhorar a situação, foram perseguidos e presos. Muitos entraram no Limoeiro e Gomes Freire, a mais brilhante figura do exército português, foi encarcerado em S. Julião da Barra e ali sofreu um infame suplício. Os infelizes lançados na cadeia, forma metidos no oratório e sofreram os martírios morais infligidos por padres e frades fanáticos, vendidos em corpo e alma à regência e aos ingleses. Desde o amanhecer do terrível dia, todos os sinos da cidade dobravam a finados. Às duas horas da tarde, saiu do Limoeiro o fúnebre préstito, formado pela misericórdia, confrarias, frades de várias ordens, carrascos, juízes, aguazis e muita tropa. Os onze liberais, coronel Manuel Monteiro de Carvalho, major José Francisco das Neves, alferes José Ribeiro Pinto, ex-alferes António Cabral Furtado de Melo, sargento José Garcia de Morais, José Campelo de Miranda, José Joaquim Pinto da Silva, capitães Manuel Inácio de Figueiredo e Pedro Ricardo de Figueiró, Manuel de Jesus Monteiro e Máximo Dias Roberto iam descalços, de alvas, mãos amarradas, crucifixo pendurado ao peito e corda ao pescoço.»

(Ediora: Fabula Urbis e Apenas Livros, Capa: João Pimentel)

[Um livro por semana 614]