terça-feira, 24 de outubro de 2017

Gralhas, P.M.E.s e carta a Jorge Silva Melo


Li no Facebook que um livro te dá como «fundador» do Teatro de Campolide omitindo a fundação do Teatro da Cornucópia, entre outras coisas relevantes. É um nojo mas tenho para a troca. Outro dia pediram-me uma crónica sobre o escritor Luiz Pacheco e eu aceitei porque fui amigo dele e era o assinante nº 186 do seu ficheiro pessoal. Escrevi a crónica e no momento de a enviar adicionei uma foto do escritor em Palmela. Pois no jornal colocaram o rosto do Luiz Pacheco ao lado do meu nome. O paginador não sabia quem sou eu e, mais grave, não sabia quem é o Luiz Pacheco, um escritor já canónico da Literatura. Eu, obscuro e discreto PME (pequeno e médio escritor) quando me querem apertar os calos mando-os logo consultar o «Dicionário de Literatura Jacinto do Prado Coelho». Como diz o Povo: Toma lá pelos queixos que é para aprenderes. O teu livro «Século Passado» tem uma gralha no nome do Joel Serrão (aparece Ferrão) e o mesmo Joel Serrão no Jornal de Letras de 29-4-2015 é omitido como organizador e editor das «Cartas de Fernando Pessoa a Armando Cortes-Rodrigues»  tarefas que são atribuídas a António Rebordão Navarro. Também há gralhas orais. A minha filha mais velha (Arquitecta) estudou numa Universidade onde havia um senhor de fato-macaco sempre disponível para arranjar fechaduras escangalhadas, vidros partidos ou outro qualquer problema. Um dia, na bicha para o café, o senhor pediu em voz alta «duas italianas» para ele e para o engenheiro de Manutenção; sem saber de nada duas italianas estudantes em carne e osso ficaram todas abespinhadas com o homem do fato-macaco. A propósito de italianas há uma escritora desse país que insiste em escrever angélica quando a bebida dos Açores é angélica. Outra apresenta-se como estudiosa de Sebastião da Gama mas escreve que ele morreu com 28 anos (foram 27) e falha no nome do director da Gazeta do Sul – Chama Augusto Barbosa a Alves Gago, Fiquemos por aqui.

(Vinte Linhas 1702 - fotografia de autor desconhecido)

domingo, 15 de outubro de 2017

Menina 25 Anos Depois


Vem do lado da luz e faz um vagaroso intervalo na pressa do trânsito, tão veloz e tão compacto.
É um tempo novo que os seus olhos abrem no que resta da manhã: a cidade tinha uns taipais de névoa e foi a sua força que os rompeu. Barcos aflitos apitaram no Tejo o desassossego da rota duvidosa.
São estes os paradoxos do Tempo: quem procure o seu bilhete de identidade achará cifras e datas, uma cronologia pesada. Porém, nem a voz nem o olhar nem o corpo solto e leve se conjugam com o tempo registado. E a luz, aquilo a que chamo luz, mistura de respiração e olhar, retrato e volume, ruptura e movimento, essa continua a iluminar quem dela, mulher-menina, se aproxima. Tal como há vinte e cinco anos ela transporta as quatro estações na voz, os dias da semana no olhar, os meses no rosto, as horas nas mãos.
É o tempo condensado de uma viagem entre o campo e a cidade.
Celeiro de emoções, adega de perfumes, eira de saudades, sótão de memórias, a sua voz é, ainda hoje, o registo pessoal da luz da aldeia contra a névoa da cidade.

(Óleo de Albert Linch)

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

António Barreto sem emenda ou «o número absurdo de mortos»


António Barreto escreve no «Diário de Notícias» de 10-9-2017 na sua página «Sem emenda» esta frase miserável: «Os incêndios florestais de 2017 especialmente de Pedrógão Grande, entraram para a história.» Considero a frase miserável porque é demagógica, é parcial, é mentirosa, é omissa em relação às coordenadas e às circunstâncias. Este mesmo António Barreto fica numa nota de rodapé da História de Portugal porque ajudou a rebentar com a Reforma Agrária tal como Maldonado Gonelha ajudou a «partir a espinha à Intersindical». Eles foram dois «peões de brega» numa «tourada» em que o «inteligente» foi Mário Soares. Como inteligente, foi dele que partiu a indicação de música para as «faenas»; não uma música qualquer mas uma música muito triste como a dos «robertos» ou das «cégadas».
Em 2003 morreram 18 pessoas nos fogos do concelho de Vila de Rei, ardeu 90 por cento da sua mancha florestal e a vaga de calor matou 1953 pessoas. Uma delas foi a minha sogra. Em 1966 morreram 25 soldados do Regimento de Queluz na Serra de Sintra. Sei disso porque comecei a trabalhar no dia 9-9-1966 deparando no BPA da Rua do Ouro com muita gente de lágrimas nos olhos pois Algueirão e Mem Martins são perto de Sintra e as más notícias correm depressa apesar da Censura aos jornais, à Rádio e à TV. Pois o António Barreto nada disse de parecido sobre os dois casos – que eu me lembra. Talvez porque o primeiro-ministro era Durão Barroso em 2003 e o exílio na Suíça não lhe dava elementos para exercer a sua demagogia em 1966. Falar em «número absurdo de mortos» só mesmo o absurdo António Barreto. Deveria ter ficado lá pela Suíça onde estava muito bem. Por aqui já ninguém meu conhecido quer enfiar esses e outros «barretes» do António Barreto.

(Vinte Linhas 1700 - Fotografia de Miguel Lopes)

domingo, 1 de outubro de 2017

Jorge Silva Melo ou no melhor pano cai a gralha


A minha ligação ao Teatro não é de agora. Desde 1966, quando vim para Lisboa trabalhar no BPA da Rua do Ouro, estava muito perto do José Palla e Carmo e frequentei teatros os mais diversos. Vi peças de (entre outros) Luzia Maria Martins, Bernardo Santareno, Romeu Correia ou Bertolt Brecht, vi actores como (entre outros) João Perry, Vasco de Lima Couto, João d´Ávila, Jorge Silva Melo, Luís Miguel Cintra, Rogério Vieira, Luís Lucas, Paulo Renato, Laura Alves, José Viana, Raúl Solnado. Chega. Estiva na Sala Cinzenta do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas na encenação de «A excepção e e regra» com música de José Afonso. Brecht, claro, tal como em «O círculo de giz caucasiano» no Teatro Aberto da Praça de Espanha. Recordo também o «Casimiro e Carolina» e o «Não se paga, não se paga» de Dário Fo. E a Raquel Maria que, nesta memória, não pode ficar para trás. Num certo sentido vejo no Teatro a fragilidade e a força da Poesia. Um dia Maiakowsky terá escrito que «as palavras valem pouco, tanto como as pétalas pisadas depois de um baile» mas o problema é que precisamos de palavras para comunicar com os outros, seja na Poesia, no Teatro ou em qualquer aspecto mesmo comezinho da vida. Nisto das palavras o medo maior são as gralhas. Na Poesia como no Teatro. Acabo de receber o programa dos «Artistas Unidos» sobre a peça de Dimítris Dimitriádis «A vertigem dos animais antes do abate» e lá está na linha 6 do texto «récia» em vez de Grécia. Falta um «G» em caixa alta. Talvez por isso tenho saudades do tempo em que as coisas eram compostas a chumbo. Outro aspecto diz respeito às sessões «A voz dos poetas» que só referem o local (Rua da Escola Politécnica 135) mas não a hora. Como dizia o outro – pequenas coisas que não são coisas pequenas. Nota final – talvez o nome de Brecht não seja bem assim. 

(Vinte Linhas 1699)