quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

«Oblíquos» de Fernando Chagas Duarte



Fernando Chagas Duarte (n.1964) neste seu quarto livro desde a estreia em 2014, junta poemas de 206, 2017 e 2018 num total de 141 páginas dividido em dois capítulos: «Fábulas e humanidades» (44 poemas) e «Os poetas são cruéis ao Domingo» (62 poemas) num total de 106 poemas.  
O ponto de partida é o poema da página 61: «este porto onde aguardam lugar / uma infinidade de navios / marinheiros, velhos cargueiros / e suas gonorreias / tpdos esperam vez / balançam ao sabor do despudos / teias de canos, caudas / camisas enxutas e apêndices / é entrar, carregar, descarregar / adeus até à próxima»
Pelo meio fica a ideia de viagem: «faço um cerco / a imperfeição / sitiado que estou neste corpo / de carne e ser tão pouco / e traço-lhe a linha recta / na palma da mão: faço a faca / e o meu próprio destino /ser defeito – à deriva / deflicto-me / escreverei hoje a última / ode à dignidade»
Entre o ponto de partida e a viagem o poema revisita não só a Natureza mas também a Cultura: desde a Poesia com Luís de Camões, Manoel de Barros, Federico Garcia Lorca, Torga, Sophia, O´Neill, Beaudelaire, Rimbaud e Maiakowvki até à Pintura de Joan Miró, Picasso, Van Gogh ou à Música de Haendel, Carmina Burana e Billie Holliday sem esquecer Nietzche na Filosofia e Kurosawa no Cinema.
Paira sobre o livro um fino humor como no poema da página 118: «8 apostas para / um prémio Nobel / criadas pelas casas / de bom gosto / financeiro. Aposto / no homem, na mulher / aposto no gajo chinês / no africano – há muito / que um negro não ganha / por isso são chorudas as odds.»

 (Edição: Euedito, Capa: Fernando Chagas Duarte)

 [Um livro por semana 636]

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

«Carmes» de Paulo da Costa Domingos



Este é o novo livro de Paulo da Costa Domingos (n.1953) reunindo em 567 páginas o seu trabalho poético de 1971 a 2918. Na página 7 o autor indica o destinatário dos seus versos: «é a cidade de Lisboa, nas suas sete colinas sobranceiras ao estuário do Tejo. Meditação junto ao Cais das Colunas, onde os degraus de pedra são como que banhados por um muito pessoal Ganges, enquanto escutam aquele que, cedo, se habituou a falar com as pedras da calçada – voz do Mundo no lugar onde a Terra se refresca.»
O título vem do poema da página 275: «A suma fragrância do risco caligráfico / arando a página, sulco da ideia. /Que corre em rebentos selvagens ,  /medicina inequívoca /de carmes da terra /num clamor: mais luz.» O «eu» do poeta está presente na página 276: «Se tivesse sido /um artista, um ourives /da prata coando / o metal fundente / para dentro de moldes. (…) se tivesse sido /pregador da ignorância /como cigarra no furor do Estio /um monarca um político /(com provador privado de todos /os víveres); /tivera eu sido a História /não a economia…»
Impossível resumir em poucas linhas um livro de 567 páginas. Ficam algumas ideias como as dos livros no poema da página 307: «De vez em quando os livros /reduto agrário da memória /e da linguagem do fogo, /têm sorte, alguém aparece /solitário bandeirante /para salvá-los da morte /da cega ruína / de suas girândolas e orelhas /na lixeira pública.» Ou da poesia como matéria artesanal: «Como ele costumava dizer /se bem me lembro da fantasia: / «Minha mãe manda comprar /um quilo de papel almaço /na venda, quero fazer poesia» Ou o tempo actual: «Havia que cumprir objectivos /estudar, casar, inscrever num partido, arranjar emprego. Ou melhor: / inscrever num partido para poder estudar, casar, arranjar emprego.» O dito acordo ortográfico também faz parte da paisagem desolada deste tempo: «Deportado pelo novo regime /ortográfico, nesta vergonha /de ser-se um involuntário /num caminho que nem a Roam conduzirá, nem /proveito algum ou sabedoria /se lhe extrairá no fim. Sim / expulso do coração da fala.» 

(Editora: Companhia das Ilhas, Direcção: Carlos Alberto Machado, Capa: Margarida Lagarto, Foto: Telma Rodrigues, Paginação: Paulo da Costa Domingos)

 [Um livro por semana 635]

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

«O que fica (Poemas)» de Cristino Cortes



Cristino Cortes (n.1953) junta no livro poemas diversos (83 ao todo) e organizados por capítulos (ou círculos) com 2 de 17, 2 de 13, 2 de 9 e 1 de 5 poemas. Sem esquecer o poema (ou fragmento) de abertura na página 11 que no total soma 84 e é o ponto de partida: «Daquele que consciente vê e vive na cidade / E nela deseja intervir, para melhor / A configurando, aqui canto.»
«O que fica» é o título do poema da página 151: «Fica a poesia, claro, benefício da abertura temporal /De a ela, e com gosto, poder-me entregar. Só aqui / Poderei abalançar-me a um volume de 900 páginas. Li / Assim Homero e Camões, Nemésia, Sophia, agora por sinal.»
No poema «Autoconsolação à sombra de Ricardo Reis» o poeta adverte: «Quantas crianças não morrem enquanto tal e é bem sabido /Levarem cedo os deuses aqueles que escolhem e muito amam. / Não serias o primeiro a preferir morrer de bibe e de calção/ Ou então no fulgor da juventude, dominando o mundo todo. / Mas já que te coube usar fato e gravata vê se estás à altura.» Mais à frente no mesmo poema proclama: «Em tudo, em síntese, mantém humor, tranquilidade, um sábio bom senso. /A alegria vem dessa naturalidade, tão íntima paz. De todo o lugar /Faz a tua cidade. Vive o que tiveres de viver e que jamais / A poesia te falte. Como não faltará decerto bem o sei /Assim estejas atento, grato e disponível no dia a dia, / Ao espelho te maravilhando a flor que só por ti abria.»

(Editora: Calçada das Letras, Prefácio: Luís Serrano, Posfácio: José Fernando Tavares, Capa: Dorindo Carvalho, Grafismo. Estúdio Bonecos Rebeldes)

[Um livro por semana 634]