Meu neto Pedro, menino de oito anos, é que
fez a inesperada pergunta: «Avô, no tempo de Jesus não havia fotografias?».
Apeteceu-me responder que no tempo de Jesus não havia fotografias nem
telemóveis nem megafones. Por isso os discípulos de Jesus subiam aos terraços
das casas desse tempo para falarem às multidões que O seguiam de terra em
terra. A imagem mais divulgada de Jesus é, julgo eu, a de Rembrandt. Um Jesus
já perto do julgamento estranho e insólito em que o «juiz» lava as mãos numa
bacia colocada numa varanda para significar de modo simbólico o seu «desligar»
da condenação de um justo. O sonho da esposa de Pôncio Pilatos não admitia
segundas leituras nem interpretações posteriores. Ainda hoje em 2019 se diz
«andou de Herodes para Pilatos» quando alguém se sente empurrado ou
incompreendido ou «lavar as mãos como Pilatos» quando um outro alguém se
pretende desligar de uma decisão incómoda e difícil porque não pacífica. Não
esquecer que «Varanda de Pilatos» é o título de um livro de Vitorino Nemésio,
uma novela editada pela Imprensa Nacional. Eu mesmo (peço muita desculpa aos
leitores) usei num verso essa referência num poema magoado sobre o assassinato
de um sócio do Sporting Clube de Portugal no Estádio do Jamor em 1996: «A
Varanda de Pilatos/É na Praça da Alegria / Visto isso mais os actos/ Ninguém
faz da noite dia.» Conclusão provisória, como todas as conclusões: no tempo de
Jesus não havia fotografias mas as imagens continuam vivas e a memória
instalada desse tempo agarra-se a muitos de nós como uma segunda pele. Um dia o
meu neto Pedro irá perceber. A resposta à sua pergunta sobre as fotografias no
tempo de Jesus pode demorar mas vai chegar um dia, talvez de modo inesperado. Mas
vai chegar.
[Crónicas do Tejo 202]
(Óleo de Rembrandt)