quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

«A pedra e a nuvem» de Raul Brandão



Raul Brandão (1867-1930) teve a vida em dupla inscrição: foi militar mas também jornalista e escritor. O que José Manuel de Vasconcelos organizou, selecionou e prefaciou foi um breviário brandoniano, um livro para ler todos os dias como quem reza e junta de novo tudo o que a morte separou. Como explica o organizador deste volume de 100 páginas: «O objectivo do presente livro é, sobretudo, o de proporcionar a quem não está familiarizado com a obra do escritor, um primeiro contacto como seu universo, as suas obsessões, as suas inquietações, aquilo a que se poderia chamar os «grumos» do seu pensamento, esse filosofar desagregado, repetitivo, de uma liquidez espessa que problematiza com acentuada expressividade (…) os grandes temas de sempre: o homem, a vida, a morte, o sonho, Desus.»
Mais do que um grande escritor (baste referir Húmus, Os Pescadores e As Ilhas Desconhecidas) Raul Brandão é um assombroso continente de ideias. Fiquemos apenas com duas. Primeira: «A que se reduz afinal a vida? A um momento de ternura e mais nada… De tudo o que se passou comigo só conservo a memória intacta de dois ou três rápidos minutos. Esses sim» Segunda: «A vida antiga tinha raízes, talvez a vida futura as venha a ter. A nossa época é terrível porque já não cremos – e não cremos ainda. O passado desapareceu, de futuro nem alicerces existem. E aqui estamos nós sem tecto, entre ruínas, à espera.»
A influência de Raul Brandão é transversal na literatura portuguesa actual. Dois exemplos: Augusto Abelaira publicou um romance com o título de Sem tecto entre ruínas e o meu livro biográfico sobre Vítor Damas arranca com esta frase de Raul Brandão – Ser diferente dos outros é já uma desgraça; ser superior aos outros é uma desgraça muito maior.

(Editora: Nova Vega, Capa: Paulo Bacelar, Organização, selecção de textos e prefácio: José Manuel de Vasconcelos, Editor: Assírio Bacelar, Paginação: Jorge Machado-Dias)

[Um livro por semana 640]

Sem comentários:

Enviar um comentário