Depois
de «Deixar a vida» (2002) e «Século passado» (2007) Jorge Silva Melo (n.1948)
surge com este livro de 407 páginas que é de todo impossível sintetizar em 31
linhas. Crítico de cinema e de teatro, actor, argumentista, professor,
tradutor, ensaísta, dramaturgo, realizador de cinema, JSM trabalhou como
assistente de Peter Stein e Giorgio Strehler, sendo fundador do Teatro da
Cornucópia e director do Grupo Artistas Unidos. Bastaria a «saga maldita» dos
Artistas Unidos no «Espaço A Capital» para organizar um inventário de acções
miseráveis, silêncios criminosos, alheamentos perversos, traições canalhas e
mentiras tenebrosas: «Fomos para sítios que detestei como o Teatro Taborda onde
nem sequer a chave tínhamos! Depois o Convento das Mónicas onde até nos cortaram
a electricidade para nos obrigarem a sair…» A sua paixão pelo Teatro nasceu
muito cedo: «Foi lá em cima, no Tivoli entrando pela porta das traseiras, que
comecei a ver teatro. Foi por 1958-9, Era uma coisa cá comigo, como se fosse um
segredo.» Das suas memórias se pode extrair uma ideia de Teatro: «Um segredo
ente o palco e quem, deslumbrado, vê?» Ou sobre a Vida: «Mas não é isso a vida,
histórias que vamos inventando nessa vida sempre mais pequena do que o nosso
desejo?» Sobre Teatro o autor não pergunta mas declara: «O teatro que me
interessa não tem nada, nada, nada mesmo nada a ver nem com a magia nem com as
variedades.» E sobre o Cinema, mais adiante: «A minha formação é o cinema,
estudei cinema, fiz cinco longas metragens e alguns documentários: em que é que
escrever uma peça é diferente de escrever um argumento?» A propósito de «A
Estalajadeira» de Carlo Goldoni surge uma ideia: «Sim gosto de ver uma senhora
a passar a ferro, gosto do realismo, (…) ingénuo, analítico. E quando penso no
teatro é raro não pensar logo em copos, pratos, louças, cadeiras, mesas. Sim,
venho daí.» Enda Walsh está na página 159 («Andamos todos à volta do Christy»)
e Tchékhov na 279: «Querem heróis, heroínas, efeitos cénicos. Mas na vida as
pessoas não andam aos tiros nem fazem declarações de amor a toda a hora nem a
toda a hora se dizem coisas inteligentes.» Ao lado da vida fica a força da
morte: «10 de Agosto, 2018. Sei do suicídio, no Porto, de um actor que não
conheci, amigo de amigos. Rapaz ainda, 31 anos. Fiquei tão triste. Chamava-se
António Alves Vieira. (Que querem?, sinto culpa por não o ter conhecido,
gostava de ter estado com ele, de o ter visto, actor. Porque gostava de o ter
honrado naquilo mesmo que fazia, o teatro que quis.) Penso nesse rapaz que não
conheci.» Uma nota final para uma paixão antiga: «Volto sempre a Goldoni,
nasceu ali um teatro, nasceu um mundo. Não terá sido Goldoni a inventar o
sorriso, essa forma que ele tem de acariciar as fraquezas dos homens?» Um livro
a não perder.
(Editora: Livros Cotovia, Organização: Leonor
Buescu, Foto da capa: Jorge Gonçalves, Paginação: Joana Figueira, Apoios:
Fundação Calouste Gulbenkian, Direcção Geral das Artes, Ministério da Cultura)
[Um livro por semana 678]
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