Soledade
Martinho Costa estreou-se na Poesia em 1973 («Reduto») e organiza as 185
páginas deste livro em nove sequências: De mim, Do amor, Da infância, Da
poesia, dos poetas, Do Natal, Do país, De Lisboa, Dos outros e Quatro retratos
– Ribatejo, Vila Franca de Xira, Nazaré e Sintra. O volume abre com uma citação
de Federico García Lorca: «Todas as coisas têm o seu mistério e a poesia é o
mistério de todas as coisas.» O poema da página 14 dá título ao livro: «O sopro
da distância / Traz-me o som sem palavras /De um piano. / Fecho os olhos e
tenho a certeza /De que alguém, ao longe /Toca para mim.» Entre o precário da
Vida e o inevitável da Morte, só o Amor responde: «Olhar-te devagar /Reter as
tuas mãos /Dizer teu nome / Beber das palavras /Com que fazes /Mudar em
madrugadas /O sol-posto /Toda a distância /Incenso, timbre, gosto.»
Como
Camilo Castelo Branco afirmou «A Poesia não tem presente; ou é sonho ou
saudade» e aqui o passado tem vários registos. Por exemplo pessoais («Ajuda-me
a aceitar o que não quero / A ter por companhia quem não conheço») ou «Não sei
se eram os corpos das mulheres /Engolidos pelas grades dos portões /Se das
fábricas a estridência dos apitos /Ou as sirenes dos barcos junto ao cais». Ou
então dois colectivos. O da página 57 «É preciso ter sofrido /Ter sentido na
alma /A mágoa /A impotência/ Para poder dizer /Que a vida nos engana /Que não é
/Aquela rosa sem espinhos /Que a nossa primavera imaginou.» Ainda o da página
122, a memória dos homens que se ausentavam do Alentejo para pedir esmola:
«Lembro-me /De os ver passar na minha rua /Em grupo/Grupo pequeno/ Três a
quatro homens /A capa alentejana pelos ombros.» Perante os sentimentos
contraditórios, amor e repulsa perante a Vida, o poema assinala na página 114:
«A vida que me arrasta e me fascina /Embora disso me acuse e me arrependa.»
O
futuro é uma advertência: «Se a vida não me deu /O que era justo/ Deixai-me
dormir assim/ Sozinha e fria. /Agora /Não preciso mais /De companhia.» Entre o
passado e o futuro, surgem as palavras e o seu projecto: «Fazer com elas uma
arma / Ou uma pomba /Um lamento como um eco num poço/ A tranquilidade de um
aceno/ Uma lágrima que se retrai/ Um sorriso que se esconde.» Sendo autora para
a infância e juventude, não surpreende que Soledde Martinho Costa assinale os
massacres de Alepo («De todas as palavras que o coração conhece /Nenhuma poderá
expressar com sílabas exactas/ A visão da morte de um anjo à flor do mar») ou
Shatila e Sabra: «As crianças condenadas que contestam /braços pendentes e
lágrimas no rosto/ que se fale de paz e que no mundo/ sob o peso deposto nos
seus ombros/ o homem se recuse a ser poeta/quando todas as crianças são
poemas.»
(Editora
Sarrabal, Capa: Pierre-Auguste Renoir, Revisão tipográfica: L. Baptista Coelho)
[Um
livro por semana 667]
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