A
vida é um mistério, não um negócio. Nasci a 13-2-51 em Santa Catarina (Caldas
da Rainha) em casa dos meus avós maternos e os meus pais só casaram no Verão –
a casa não estava pronta. Fui pinto balseiro. Tive uma infância feliz: o
dinheiro era escasso mas sobejava ternura e não havia preço para os beijos ou
para as lágrimas. Saltei do carro de bois em 1956 na aldeia para o eléctrico de
Lisboa em 1966 e para o avião em 1976 quando fui a Londres. Tirei o Curso Geral
do Comércio porque o tempo exigia: «Os filhos dos motoristas não vão para o
Liceu». Na véspera do dia em que comecei a trabalhar morreram 25 rapazes na Serra
de Sintra. O meu destino sempre esteve ligado aos outros; nunca me quis separar
e fingir que podia fazer tudo sozinho. Vivi na minha terra, no Montijo, em Vila
Franca de Xira e em Lisboa. Casei em 1977, os meus filhos nasceram em 1978,
1981 e 1985. Há cem anos entre o meu avô materno e o neto mais velho. O meu
primeiro livro (1971) foi produzido a stêncil, o segundo 1981 foi composto a
chumbo, os posteriores já foram a computador. Meu pai começa a trabalhar com 7
anos, eu com 15 e os meus filhos com 25. Há um progresso mas sem esquecer as
palavras de Raúl Brandão: «Ser diferente dos outros é já uma desgraça; ser
superior aos outros é uma desgraça muito maior». Em 2005 acabei de pagar a
hipoteca de uma casa com janelas para o Tejo. Há destinos simétricos: eu tenho
duas irmãs e o meu filho tem duas irmãs. A vida é um mistério, nunca um
negócio. Fui delegado sindical de 1972 e 1996, tenho uma reforma pequena mas
posso sorrir: todos os dias morre gente que chamava Marcha do Benfica ao Hino
da Eurovisão.
[Crónicas
do Tejo 274]
(Óleo de Wislow Homer)
Excelente autobiografia. Comoveu-me, não sei porquê, lembrei-me de Vila Franca de Xira e de Porto Covo, onde vivi até aos oito anos. Também éramos pobres, mas sobrava-nos ternura e até liberdade para brincar.
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