Jaime Rocha (n.1949), poeta,
ficcionista e dramaturgo, estreou-se na Poesia com «Melânquico» (1970), na
Ficção com «Tonho e as almas» (1984) e no Teatro com «Deuscão» (1988). O conto
«O Estendal» que abre o volume de 67 páginas e 9 narrativas oscila entre um
registo naturalista («a guerra continuava, os massacres não tinham fim») as
termina num tom de surpresa, de insólito e de irreal: «o estendal estava cheio
de crianças ainda recém-nascidas. Todas juntas, umas ao lado das outras, muito
quietas, penduradas com molas, a secar». Em «O último parente de Justino» a
narrativa volta a arrancar num tom muito próximo do real («A última vez que
Justino foi visto, avançava em passo lento pela alameda do cemitério, encostado
à fila esquerda dos ciprestes onde se localizavam os jazigos mais antigos.»)
mas conclui de modo insólito: «No dia do funeral do sobrinho, Justino subiu a
alameda estreita do cemitério à frente do féretro. Antes que os coveiros
descessem a urna, atirou-se ele inesperadamente para dentro da cova.» Em «A
mulher que aprendeu a chorar» o ponto de partida volta a se rum olhar lúcido e
realista sobre o Mundo («Há uma depressão na terra que atinge as colheitas, os
animais. O ar tornou-se irrespirável e já não é possível arranjar tempo
suficiente para se passar um serão tranquilo em casa. Os vizinhos destroem as
paredes com berbequins, deitam abaixo cozinhas inteiras.») mas a história é
povoada por gente insólita, uma mistura entre ficção e realidade, cinema e
quotidiano: «A mulher do filme morreu de facto? Claro que não. O mesmo
aconteceu com o seu amado. Matou-o mas ele não morreu. Pense é que ele se
ausentou para o estrangeiro, abandonou-a..É a coisa mais banal do mundo.» Em «A
gaiola do senhor Flor» o princípio da narrativa é «Foi no dia em que o senhor
Flor apareceu com uma gaiola na mão que os amigos chegaram à conclusão de que
ele tinha endoidecido de vez.» e termina com a porta da gaiola aberta: «A minha
mulher disse-me que, para presa, basta ela. Não quer o pássaro aqui dentro.»
Fica uma ideia e um convite à leitura deste livro de contos onde de modo hábil
e límpido se cruzam os mundos do real e do imaginário.
(Editora: Relógio d´Água, Capa e Foto: Carlos César Vasconcelos,
Revisão. Anabela Prates Carvalho)
[Um
livro por semana 649]
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