Mário
de Carvalho (n.1944) estreou-se em 1981 com «Contos da Sétima Esfera» e neste
seu livro de 254 páginas junta crónicas publicadas entre 1987 e 1996 no «Jornal
de Letras» e no «Público». As crónicas são divididas em quatro secções
(Divagando, Intervindo, Oficiando e Rememorando) correspondendo a várias facetas
do autor: ficcionista, cidadão, comunicador e memorialista. O título é uma
homenagem à Literatura e vem do livro «A ilha do tesouro» de Robert Louis
Stevenson. Francisco Belard refere no Prefácio «Mário de Carvalho e eu somos da
mesma geração, o que explica várias afinidades (…) as afinidades emergem em
muitas destas crónicas ou noutras intervenções públicas que teve e tem, a par
dos livros.» Uma das crónicas indica 35 espécies de escritores desde o solene,
o ansioso e o paranóico até ao erudito, ao obscuro e ao possesso mas sem
esquecer o cronista: «Perora sobre tudo, numa olímpica omnisciência. Está
convencido que tem muita graça e de que influi profundamente nos destinos do
país. Imagina os governantes a lê-lo e a dizerem às mulheres (ou aos maridos):
«Tem graça! Olha que este rapaz tem carradas de razão, vou passar a fazer como
ele diz». Às vezes é feroz , faz ameaças: «Ah, sim? Então eu desanco-o na minha
crónica!» No entanto fica um pouco perplexo se os amigos exclamam jovialmente:
«Lá li a tua coisa no Diário Popular; aquela dos rinocerontes, muito gira –
quando ele tinha escrito umas considerações hábeis sobre os chalés suíços para
o Diário de Notícias.» O autor disserta sobre a crónica em si na página 42: «O
leitor conta com uma opinião de actualidade, fluente, cívica, arguta e isenta
de complicações.» Sobre Fernando Pessoa surge uma tese: «Na verdade quem morreu
em 30 de Novembro de 1935 no Hospital de São Luís dos Franceses não foi
Fernando Pessoa mas um vagabundo galego, muito esquálido, contratado para o
efeito, que se chamava Paco Ximenez Albarrace. Quanto ao verdadeiro Fernando
Pessoa, tinha-se esgueirado de noite, à capucha, disfarçado de freira carmelita
para só voltar a ser visto mais tarde, na guerra de Espanha.» O acto de
escrever («Não me recordo de uma única indignidade removida por um par de
versos») tem as suas ambições e os seus limites: «Na parte que me toca estou
convencido de que o que leva alguém a escrever é esta possibilidade de mentir à
vontade sem agravo dos bons costumes nem do ordenamento jurídico.» Uma ideia
para Portugal está na página 64: «Entre o torrãozinho de açúcar e a choldra lá
tem que se mover o cidadão sensato e com noção das proporções.» Ou na página
83: «Somos muito vulneráveis. Não temos reservas nem defesas. Não há nichos,
não há abrigos, não há resistências, não há territórios como outros têm.» Noutra crónica lembra Joaquim Velez, João
Camilo e Diniz Miranda na prisão para
concluir «ao lado do portugalinho dos sacanas a ferver de mercenários,
oportunistas, videirinhos e minúsculos troca-tintas, também existe gente da
têmpera daqueles em que falei.» Mário de Carvalho adverte a sorrir: «Terrível
palavra é um «ego». Lido na natural direitura, apenas lhe falece um «c» para
não ser «cego» e faz uma previsão em 1993 que se confirma em 2019: «…pode
criar-se o clima propício a que um belo dia, meia dúzia de tipos (talvez mesmo
quatro) em qualquer cervejaria de qualquer cidade de província…»
(Editora:
Porto Editora, Prefácio: Francisco Belard)
[Um
livro por semana 630]
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