sábado, 18 de março de 2017

Uma estátua em frente ao Mar da Palha


Não conheci o Padre Cruz mas estive perto de o conhecer. Outro dia ao subir a Rua Garrett em Lisboa parei em frente à escadaria da Basílica dos Mártires e o vendedor de fotografias ofereceu-me esta foto pois achou graça à facilidade com que a identifiquei. É um facto que não conheci o Padre Cruz mas estive perto de o conhecer no Montijo. Foi viver para lá em 1957 e o Padre Cruz tinha falecido em 1948. Muita gente na Rua Sacadura Cabral se lembrava dele a pedir um púcaro à Tia Pagá e a beber na fonte metálica onde uma mulher lavava a chave de casa desde a madrugada. Alcochete é perto do Montijo, é uma terra banhada pelo mesmo Mar da Palha. Para dar uma ideia de como era o tempo sem Internet nem telemóveis, o ciclone de 1941 ainda estava muito presente em 1957 nas conversas das pessoas, os fragateiros mortos nesse dia de ventos diabólicos, as imagens ingénuas dos «ex-votos» no Santuário da Senhora da Atalaia. Ainda lá devem estar com a sua pintura dita «naif» em forma de oração e acção de graças. Afinal não conheci o Padre Cruz (1859-1948) mas andei sempre por perto e agora ainda mais pois é em Benfica que está o seu jazigo. Sei muitas histórias do Padre Cruz como aquela do barbeiro da Rua da Alfândega onde ele foi bem atendido mas, como dava tudo aos pobres, não tinha dinheiro para pagar o corte de cabelo. «Tenha paciência, Deus lhe pagará!» - terá dito o Padre Cruz ao homem que, além do mais, era um carbonário. Mas, como por milagre, a barbearia encheu-se de fregueses e até fizeram bicha para, como dizem os profissionais, servir. Nunca o homem tinha tido tanta clientela. Mas há muitas histórias como aquela de terem prendido o Padre Cruz no Limoeiro. Foi um reboliço na cidade de Lisboa e só o Dr. Afonso Costa resolveu o assunto com um documento a proibir que o Padre Cruz fosse detido.

[Crónicas do Tejo 71]

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