Há um homem a sorrir que pega na joeira e, com toda a perícia, faz saltar o feijão e a sua palha para que o vento os separe no ar e assim o regresso à joeira seja apenas dos feijões depois de a palha ter sido levada pela brisa. Esse gesto tem sido repetido ao longo do tempo mas as mais recentes gerações já não o dominam sem sequer o lembram; basta neste caso uma fotografia a preto e branco tirada por uma jovem arquitecta portuguesa nascida em Lisboa no ano de 1978. O protagonista da fotografia nasceu em 1927 e é o avô paterno da autora deste retrato em movimento a aproveitar a brisa do Oceano Atlântico que vem do lado de São Martinho do Porto para limpar a palha do feijão em Santa Catarina. Os tempos modernos alteraram essa gramática de sementeira e colheita, esse calendário da terra entre a chuva do Inverno e o sol do Verão, essa regularidade muito antiga e, afinal, de todos os anos; hoje o feijão aparece nas prateleiras das grandes superfícies em latas com origem na China ou na Tailândia. Passa-se com o feijão o mesmo que acontece com os caracóis: descobriram alguns que os mais baratos são os de Marrocos e, por isso, dão mais lucro a quem os cozinha com cebola e orégãos para os vender em pratinhos nas esplanadas ou à beira do mar. O sabor perdeu-se mas o lucro aumentou em termos exponenciais. Apanhados ao romper do dia nas searas e nos canaviais à beira das linhas de água, os velhos caracóis da minha juventude tinham um travo genuíno que se perdeu para sempre com a chegada de toda esta modernidade comercial. Não há nada a fazer contra isso. Basta o pranto e a lamentação desta crónica povoada de nostalgia e de palavras.
[Crónicas do Tejo 294]
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