Neste seu nono livro com o
inspector Jaime Ramos em figura principal, Francisco José Viegas (n.1962)
define o submundo da noite portuense como «uma guerra civil na cidade» e junta,
como numa oração, dois Mundos: o dos Homens e o dos Deuses. Entre o precário da
Vida e o inevitável de Morte, só o Amor resolve e abre uma luz sobre o Mundo.
Tal como na Contabilidade, o escritor assina o Inventário e o leitor estabelece
o Balanço que se divide em Activo, Passivo e Situação Líquida. Não por acaso o
escritor argentino Jorge Luís Borges se refere a Moncorvo como a terra dos seus
avós. Sempre que alguém invoca o seu nome em qualquer parte do Mundo, é
Portugal que é lembrado e referido. Não esquecer: foi um apaixonado pela
literatura policial. O livro parte de uma descrição de um crime em Moncorvo mas
a sua geografia não se limita a Trás-os-Montes e chega a Pequim: as páginas375
e 395 referem de modo explícito «a luz da Pequim».
Jaime Ramos surge na página 15
como «um monumento classificado como velharia que mais tarde ou mis cedo seria
removido o seu pedestal e substituído por um halograma» e na 27 como «um homem
tolerado, uma sombra do que já fora, uma respiração ofegante que subia degraus
numa casa deserta e que conhecia a penumbra da suspeita, uma desconfiança que
as novas gerações usavam como método de gestão de recursos humanos» para na 98
ouvir alguém dizer: «Não fazes os relatórios a horas, confias no destino, não
respondes aos pedidos de informação, és um empecilho, fazes o que te apetece» e
termina na págian 247 a dizer: «Eu não trabalho em homicídio para mudar o mundo
nem para fazer do mundo um lugar melhor. É mais para castigar os criminosos e
cumprir uma função. Crime e castigo. Punição. Vingança.»
Não é possível resumir um
livro de 396 páginas em meia dúzia de linhas mas fica o firme convite à
leitura. Mesmo que na página 176 apeteça dizer em voz alta ao «artista» que
fala de escritores e fascismo esta coisa elementar: em 1965 a PIDE destruiu a
Sociedade Portuguesa de Escritores na Rua da Escola Politécnica por causa do
Prémio atribuído ao escritor Luandino Vieira pelo livro «Luanda». Natural de
Ourém e José Martins da Graça de seu nome. Mas isso é outra coisa e um livro de
ficção vive dessas falas de gente desalinhada e distraída. Uma nota final para
a página 395 onde o nome do Bairro em Pequim significa «voltado para o sol» mas
Beto e Roberto da Ganga foram encontrados com o rosto voltado para o chão «de
poeira e folhagem envelhecida.»
(Edição: Porto Editora, Capa:
Manuel Pessoa, Foto: Getty Images)
[Um livro por semana 653]
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