Há
neste recente livro de Zetho Cunha Gonçalves (n. 1960) uma dupla inscrição:
amor e morte. Amor na página 32 («E nenhum rio é como esse / o rosto
magnificente da infância / a pátria inaugural da Poesia») e na página 67: «a
minha escola primária / foi a sombra duma árvore muito antiga – e a voz / um
pêndulo que soletrava / nas crateras debaixo do fogo / horas e números – no
horizonte». A morte pode ler-se na página 21 («Os meus mortos deram-me versos,
assombros – um rio acampado na memória») e na página 65: «Olho para o Tempo e
digo: - Eu estive / onde a morte começou. Insensitiva, / reles, insidiosa,
banal.»
Entre
o amor e a morte surge o poema inicial («Os rios tocam-se de águas iluminadas»)
espécie de janela para o poema da plenitude no qual tudo se liga: «Trago nas
minhas mãos – o coração do mundo / o tempo em que os rios ardem / se volto o
meu rosto / à tua passagem / na multidão». O poema da página 59 integra um
programa de vida e de poesia na voz da Mãe: «Meu filho / se aquilo que sonhaste
não chega / para encheres a barriga / ao teu desejo e ao teu sossego / canta /
canta com a voz voltada para nascente / enquanto lavras / e lavras a força / e
a dança do leopardo.»
O
autor convoca versos e frases de Dante Milano, Rainer Maria Rilke, Jacobo
Fijman, Friedrich Hölderlin, António José Forte, Fernando Assis Pacheco, Ruy
Duarte de Carvalho, Eduardo White e Herberto Helder para homenagear em poemas,
aforismos e prosa-poemas figuras diversas das Artes e das Letras: António
Ramos, Rosa, Fernando Assis Pacheco, António Prates, David Mestre, Robson
Dutra, Roberto Chichorro, José Craveirinha, Ruy Duarte de Carvalho., Eduardo
White e Herberto Helder. Nesta oscilação entre «cantar» e «reflectir», Zetho
Cunha Gonçalves lembra David Mestre com um poema feito dos títulos dos livros
do poeta morto em 1998: «1 - O nome, crónica / do ghetto, sobe / pseudónimo ao
poema:/ pulmão / subscrito a giz / nas barbas do bando / 2 – No relógio de
Cafucôlo / nem tudo é poesia / lusografias crioulas: são quarenta / e nove anos
/ obra cega, / do canto à idade.»
(Editora: Língua Morta, Capa: Gustave
Doré)
(Um
livro por semana 559)
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