Álamo
Oliveira (n.1945) é conhecido pela vasta obra publicada (36 livros) em diversos
campos (poesia, teatro, romance, conto e ensaio) mas seria reconhecido não
tivesse vindo ao Mundo no Raminho – Ilha Terceira- Açores. O terrível sistema
cultural onde estamos inseridos tem destas particularidades; o preconceito e a
ignorância fazem o resto (como refere Vamberto Freitas) e vão atirando o pó do
esquecimento contra a mais que justa posteridade da obra e do autor. O ponto de
partida do livro é a vida na ilha das Flores: «Ali a vida era entendida de forma
ervanária. Era como se fossem plantas das valetas ou da horta: nasciam, viviam,
morriam e ponto final. Claro que havia os inconformados do sistema mas esses
eram os que se atiravam num barco qualquer e iam à procura da terra que lhes
estaria prometida.» Existe uma data para o arranque da narrativa («Era o Dia de
Reis do ano de 2001 e toda a manhã choveu») e um lugar determinado: «ilha das
Flores, assim chamada pela quantidade que delas havia e pela sua congénita
formosura.» A protagonista é Marta de Jesus: «Tinha sessenta e cinco anos, um
metro e sessenta de altura, cinquenta e nove quilos de peso, solteira e virgem,
que uma desgraça nunca vem só.» O pano de fundo da narrativa é o tempo da Guerra
Colonial («Era já notável o número de mortos, os hospitais enchiam-se de
feridos e estropiados») e é nesse contexto que surgem os seguidores de Emanuel
Salvador: «O grupo aumentava e criava um ambiente de grande solidariedade e,
sobretudo, de comunhão de ideias. Esse grupo designa os seus cronistas tal como
os dos Quatro Evangelhos: «Mateus, Lucas, Marcos e João». Os caciques e os reaccionários locais são nas Ilhas o
equivalente a Salazar em Lisboa: «A guerra estoirou forte e feio na Guiné, em
Angola e em Moçambique e Salazar começa a ficar sem tropas para mandar para as
colónias.» Personagem presente e ausente é Pedro («um jovem poeta que saíra da
ilha») e que aparece na página 141 referido pelo seu verso mais citado
«califórnias perdidas de abundância». Depois de uma narrativa de 190 páginas
com uma dupla inscrição (Os Evangelhos e o Grupo das Flores) o livro conclui:
«Se esta foi ou não a verdadeira história de Marta de Jesus, ninguém sabe.
Sabe-se que ela nasceu, viveu e morreu na ilha das Flores.» Havia um papel no
seu leito de morte sendo «Mistério» a última palavra desse texto. O próprio autor
acaba por sugerir: «Será bom que amanhã alguém volte a este assunto.» Livro
dedicado a dois poetas (Marcolino Candeias e Vasco Pereira da Costa), trata-se
de um texto invulgar, insólito e interminável. Por isso o livro não acaba na
página 190 e continua a inquietar e a agitar o espírito dos seus felizes
leitores.
(Um
livro por semana 582 - Editora:
Letras Lavadas, Foto do autor: Eduardo B. Pinto, nota da capa: Vamberto
Freitas)
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