quarta-feira, 22 de julho de 2020

O Tejo e o Mar da Palha em José Rodrigues Miguéis



O livro organizado por Luísa Ducla Soares e editado pela Câmara Municipal de Lisboa intitula-se «Lisboa de José Rodrigues Miguéis» e reúne em 111 páginas citações de diversos livros deste autor português (1901-1980). Sobre o Rio Tejo podemos ler: «Lá ao fundo, o Tejo reluzia como uma colcha de áqua-marina bordada a prata» e, mais à frente, no mesmo «O milagre segundo Salomé», surge: «No Tejo lavado e reluzente, alguns destróiers balouçam languidamente, vaporzitos espertos abrem no ar as sereias estrídulas, um cruzador inglês, todo branco como um iate, vira com a maré em torno da âncora.» E em «A Escola do Paraíso» pode ler-se: (…)«o menino olha os telhados de veludo, o céu sereno, o rio coberto de palhetas de prata cintilantes: são peixinhos que saltam, andam a brincar, brilham à lua (…)» Em «Idealista no Mundo Real» José Rodrigues Miguéis escreveu: «O grito de uma sereia no Tejo rasgou o véu azul da manhã. Baltazar virou-se para as janelas e, com a face apoiada na mão esquerda, ficou a olhá-las. As andorinhas cortavam o ar, explorando os beirais familiares. Adivinhava-se o primeiro espreguiçamento da Primavera no ar quase tépido e, ao fundo, para lá do casario apinhado, a toalha do rio desdobrada ao sol. Nos telhados forrados de musgo, líquenes e gramíneas, enxugava a humidade dos chuveiros de véspera.» Não se fica pela paisagem e pelo povoamento o autor de «O idealista no Mundo Real quando escreve: «A Universidade é uma fábrica de manequins e de burocratas. Porque é que um labrego que sai das unhas negras da Escola há-de ser necessariamente um superior? Quantos génios tivemos nós que nunca por lá passaram – o Herculano, o Oliveira Martins, o Camilo, o Ramalho, o Gomes Leal, o Lúcio de Azevedo – e  os que o foram apesar dela!»     

[Crónicas do Tejo 223]

(Fotografia de Luís Eme)

quarta-feira, 15 de julho de 2020

«Pavese no café Ceuta» de Francisco Duarte Mangas



Reunião de 16 narrativas em 184 páginas, deste recente trabalho de Francisco Duarte Mangas se poderá afirmar um conhecido lugar-comum – «toda a Literatura é uma homenagem à Literatura.» Depois de «Diário de Link», «Geografia do Medo» e «Jacarandá» o autor, logo na primeira narrativa, apresenta um retrato da paixão dos livros: («miram o homenzinho a alojar livros como se os metesse dentro dele.») ao lado de uma lucidez magoada («Se um homem das belas letras, à nossa frente, indispõe – que dizer de um magote, como ratinhos em busca de jorna nas remotas searas do Sul?») passando por Eça de Queirós («respeitoso como se olhasse a bandeira e ouvisse o hino») ao lado da amizade: «Se a doutora Luísa Dacosta perguntar por mim, diga-lhe, por favor, fui a Granada.» Em «Lenha verde» pode ler-se uma frase que resume tudo: «Eu escrevo lendo os outros». Ou dito de outra maneira: «Não se vende o que se ama. Em vez de filhos criei heterónimos – impedidos de herdar qualquer legado.» Em «Clandestinos» o ponto de partida é o anúncio de jornal: «Travesti Cláudia, curta temporada. Activa/Passiva. Peito XXL. Meiguinha. Sem pressas.» mas Gabriela sai do livro de Jorge Amado e procura saber algo mais de Gisberta antes de ela ser «fétida melancolia, brinquedo de moleque…» Em «Pavese no café Ceuta» o equívoco é do autor de «O ofício de viver» : «Li todos os livros do poeta que aqui julgava encontrar» mas o poeta português que o italiano procura está no café Progresso e não no café Ceuta.
Herdeiro de Leitão de Andrade, Camilo Castelo Branco e Carlos de Oliveira com as suas Miscelâneas, Narcóticos e Aprendizes de Feiticeiro, Francisco Duarte Mangas avança uma feliz definição da paixão dos livros que está na origem deste livro: «Tenho o vício absurdo de guardador da palavra escrita.» Tal como antes tinha na página 85 referido a Poesia: «A poesia, se não for o lugar onde o desejo ousa fitar a morte nos olhos, é a mais fútil das ocupações.»

(Edição: Teodolito, Editor: Carlos da Veiga Ferreira)

[Um livro por semana 647]

sábado, 4 de julho de 2020

Vítor Lambert – só agora percebi o peso específico da sua amizade



Somos feitos do que somos até aos sete anos, o resto são apenas remendos. Quis o Destino que o meu neto António seguisse agora (em 2017) as pisadas da minha filha Marta (em 1987) e frequentasse com uma diferença de trinta anos o mesmo Jardim Infantil – a Adeco, ali em Lisboa, ao Príncipe Real. Mas dizer Destino não é pensar no Acaso pois nada acontece por acaso na Vida; foi o Victor Lambert que ao longo do tempo foi mantendo a ligação entre nós e nunca deixou de me enviar as convocatórias para as Assembleias Gerais da Adeco. Sem mais e com a devida vénia transcrevo o texto da «Folha Informativa» nº 20 da Associação Conquistas da Revolução: «A ACR perdeu, em 15 de Fevereiro de 2018, um dos seus sócios fundadores e até à data membro da Direcção da nossa Associação. Além do trabalho que prestou na Direcção e nas iniciativas da nossa Associação, colaborou nos livros «Vasco, nome de Abril» e «Conquistas da Revolução». O funeral, com honras militares, realizou-se no dia 17 de Fevereiro no cemitério dos Olivais. Na altura o presidente da Direcção da ACR proferiu uma intervenção sublinhando: «Honraste a Marinha e os Marinheiros. Vamos sentir a tua falta, nunca estarás só. Sei que caminhas ao nosso lado, nunca deixando de ser um de nós. Até sempre companheiro!» Associaram-se nas despedidas Maria João Gonçalves que leu uma intervenção em nome de um conjunto de amigas, relatando as vivências comuns que ao longo dos anos partilharam, sublinhando as qualidades morais e cívicas de Vítor Lambert e o «Cabo» Geraldo Lourenço, na qualidade de praça mais antiga dos saneados do 25 de Novembro, proferindo u m improviso em que relembrou os tempos da fundação da CDAP e do Clube de Praças da Armada, elogiando a personalidade e a perseverança de Vítor Lambert.» (fim de citação)

[Crónicas do Tejo 124]