Mostrar mensagens com a etiqueta Romeu Correia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Romeu Correia. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Almada e o Tejo – roteiro sentimental de uma das «minhas» cidades



Quando elaborei por escrito e por extenso uma espécie de «memória justificativa» para num certo sentido legitimar o início das minhas crónicas (do Tejo) no «Correio do Ribatejo» dei conta das minhas vivências em 1957 no Montijo (escola primária), em 1961 em Vila Franca de Xira (escola comercial) e em 1997 em Santarém (redactor de O MIRANTE) sem esquecer Lisboa e a Rua do Ouro onde tenho vivido e trabalhado desde 1966 até hoje – 2018. Mas a vida é um mistério e nada acontece por acaso: hoje (15-3-2018) entrei numa livraria com o meu amigo Joaquim Nascimento (ofereceu-me um livro!) e comprei o brasão de Almada. Embora nunca tenho lá vivido nem trabalhado, a verdade é que, desde sempre, me lembro de esta (hoje) cidade fazer parte da minha vida. Há muitos anos morreu na piscina do Seminário de Almada um jovem estudante natural de Santa Catarina (o António) de quem eu era muito amigo. Na altura só me lembro de duas palavras perante a sua morte: dôr e confusão. Dôr pelo desaparecimento dele e confusão pelas circunstâncias nunca esclarecidas da sua morte. Mais tarde Almada foi o lugar onde entrevistei o dramaturgo Romeu Correia para a Revista «A Bola Magazine», entrevista mais tarde englobada no meu livro «As palavras em jogo» e parte dela recordada no livro «Passeio mágico com Romeu Correia» de Luís Alves Milheiro. A propósito deste meu grande amigo e quase-conterrâneo (Salir de Matos fica perto de Santa Catarina) não posso deixar de recordar as suas grandes capacidades informáticas em meu favor (sou um sem-abrigo) e as nossas intermináveis caldeiradas em Cacilhas quando a refeição serve em teoria para actualizar a escrita mas apesar de tudo esta nunca fica, de facto, em dia. A minha filha Ana, o marido e os filhos gostam muito da Casa da Cerca mas isso já é outra crónica.

(Crónicas do Tejo 123)

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Do comboio de Falconwood ao comboio de Rio Maior


O meu neto Thomas está um homenzinho. Entrou para uma «Grammar School» em Londres e lá vai todos os dias com gravata e blazer no comboio que em sete minutos o leva para a Escola. Os sete minutos são os mesmos que me levam todos os dias ao Rossio. Gosto muito de todos os meus netos (são quatro) mas o mais velho é especial por ter sido o primeiro a nascer (2006) e por ser protagonista de um dos mas veementes poemas que escrevi - «Domingo à tarde em Falconwood». Pois a memória magoada desse domingo à tarde no jardim junto aos comboios de Falconwood com o seu arraial de exclusão, de maldade e de estupidez («sumos de pacote e bolos de fábrica») levou-me a recordar a Feira de Rio Maior. Além dos cabos de cebolas de Alvorninha, havia uma corrida de bicicletas com os homens da Volta a Portugal. Na curva da estrada colocavam fardos de palha. Ainda me lembro dos agentes da P.V.T. e das suas ruidosas máquinas. Outra máquina era o comboio que me lembro de ter visto em Rio Maior. Era uma locomotiva adaptada à via reduzida. Eu sentia-me excluído da Feira de Rio Maior porque quando queria alguma coisa a resposta era sempre a mesma: «Tu não tens querer!» Muitos anos depois em Falconwwod o meu neto Thomas foi excluído não de uma festa de aniversário (estavam no seu direito) mas do convívio com os seus amigos de rua e de escola que estavam a poucos centímetros do nosso banco de jardim. Há uma música triste comum às duas exclusões como se o comboio trouxesse na sua via reduzida a redução da vida ao rancor, à maldade e à estupidez. Ou seja à exclusão. Os meus avós podem ter a desculpa do tempo cinzento («Está tudo bem assim e não podia ser de outra forma») mas as mães de Falconwood não podem ter perdão. O meu neto Thomas vai estudar numa escola onde os filhos delas nunca vão entrar.     

(Crónicas do Tejo 94 – fotografia de autor desconhecido)


domingo, 5 de novembro de 2017

«Passeio Mágico com Romeu Correia» de Luís Alves Milheiro


Luís Alves Milheiro (n.1962) celebra neste seu mais recente livro o centenário do escritor almadense Romeu Correia. Nascido em Cacilhas no ano de 1917, o autor de «Desporto-rei» reclamou-se sempre «um produto do movimento associativo», foi atleta em diversos clubes entre eles o Sporting Clube de Portugal de 1940 a 1945 («muita saudade e ternura») mas sempre se definiu como um contador de histórias: «Se tivesse nascido há mil anos, não teria sido cobrador no Banco, seria um contador de histórias. E sentir-me-ia muito honrado em andar de terra em terra, de povo em povo.» 
O ponto de partida deste trabalho é simples e complicado ao mesmo tempo; dizia este autor: «Escrevo para fugir à solidão. Escrevo para tentar ser amado. Escrevo pra ser solidário. Sou um trabalhador que escreve histórias sobre a vida de outros trabalhadores». O seu sonho, que ficou sempre em suspenso pois tinha que ganhar a vida num emprego, era «fazer um longo estágio por Feiras e Romarias» pois deste modo, contactando com feirantes e saltimbancos, ficaria a conhecer mais teatro do que «em qualquer conservatório estrangeiro.»
Há um lado fascinante neste «Romeu Correia por ele mesmo» que Luís Alves Milheiro criou a partir de entrevistas deste autor hoje centenário a jornais e revistas. Trata-se da referência a outros artistas. Vejamos o que diz sobre Manuel Ribeiro de Pavia: «De uma só peça. Duro como um chavelho mas, ao mesmo tempo, delicado como uma flor. Pequeno, moreno, de mãos cabeludas e retorcidas como raízes.» Ou sobre Sebastião da Gama: «Nos últimos meses de 51, navegava eu num ferry-boat para Lisboa quando, detrás dos automóveis, oiço um tremendo grito que me sacudiu: Ó Calementoso! Calamentoso! A voz e o atrevimento eram-me familiares mas aquele termo Calementoso? Volto-me e aparece-me por detrás de uma carroça, o Sebastião. Faz uma grande festa e esclarece-me: Éh pá, chamei-te Calamentoso porque escreveste o «Calamento», o romance dos pescadores da Caparica!»
A segunda parte do livro ficciona uma entrevista com Romeu Correia neste ano de 2017 (ano do Centenário) mas se tivermos que resumir tudo em duas linhas poderemos ficar pela página 120: «Foi uma luta sobretudo cultural, fundando bibliotecas, escrevendo romances, contos e peças de teatro.»

(Edição: SCALA, Capa: Mártio, Revisão: Diamantino Lourenço, Apoio: C.M. Almada)

(Um livro por semana 575)

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Duas Palavras de Romeu Correia em 1968


«Na impossibilidade de viajar e percorrer as sete partidas do mundo, tenho-me debruçado sobre as recordações da minha infância para delas tirar o material com que se faz literatura. Assim tem acontecido com quase tudo o que tenho escrito e publicado desde 1947. Por minha fortuna nasci em Almada, terra profundamente associativa, cheia de cor e diversidade humana, com o estuário do Tejo lá em baixo e a grande cidade de Lisboa diante do nariz. Vila que foi conquistada à moirama por João Tiago, guerreiro de Afonso Henriques e de muitas e perdidas tradições, onde o século dezanove nos legou bandas de música, sociedades recreativas, bombeiros voluntários, cooperativas de consumo, montepios, o arco-da-velha! E ainda um espírito liberal e humanitário como raro se encontra noutro lugar. Terra de fragateiros e descarregadores de Cacilhas, de fabulosos tanoeiros-músicos, pescadores caparicanos, operários do Caramujo, de costureiras e de embarcadiços. Vila dos concertos de banda no jardim, das festas de São João e do regresso bacano da quinta da Ramalha, das cegadas carnavalescas, do enterro do bacalhau e da serração da velha, do Judas dependurado no sábado de Aleluia, das muitas e variadas pugnas desportivas dos anos vinte e trinta. Tudo isto me foi atirado aos olhos, numa rapsódia de cor que faria inveja à paleta de um Delacroix ou de um Chagall! Assisti também nas tabernas de Cacilhas e do Cais do Ginjal aos últimos abencerragens de poetas populares, cantadores de fado e escrevinhadores de cegadas: analfabetos uns, outros entendedores da escrita. Presenciei tudo isto na minha acidentada infância. Mais tarde, quando abandonei o box e o atletismo e tentei escrever histórias e comédias, socorri-me da paisagem humana almadense. A minha experiência da doca, a vagabundagem pelos cais, o contacto com tanoeiros e fragateiros, assim como o material fornecido por minha mulher, que ainda era messe tempo costureira de «macacos» de ganga, foram achegas para o Sábado sem Sol, Trapo Azul, Calamento, Gandaia, etc».

(Fotografia de autor desconhecido)

domingo, 26 de março de 2017

O Marinheiro, o Electricista e o Marquês


No livro «Jorge Vieira e o futebol do seu tempo» de Romeu Correia o marinheiro é Cipriano dos Santos (1901-1969), o electricista é Jorge Viera (1898-1986) e o marquês é António Penafiel (1898-1973). A fotografia foi tirada em Junho de 1928 na Ilha da Madeira quando a equipa principal do Sporting Clube de Portugal estreou as camisolas listadas e se deslocou ao Brasil para defrontar o Vasco da Gama (2-2-), o Fluminense (1-2) e a seleção do Rio de Janeiro (1-1). As viagens eram feitas nos paquetes da Mala Rela Inglesa: o «Alcântara» de Lisboa para o Rio de Janeiro e o «Andes» do Rio de Janeiro para Lisboa. Os jogadores «leoninos» e os atletas de outros clubes foram ao alfaiate pois as refeições ao jantar obrigavam ao uso do «smoking». A comitiva do Sporting Clube de Portugal era chefiada pelo presidente António Soares Júnior e integrava o treinador Charles Bell, Cândido de Oliveira, Salazar Carreira e os jogadores Cipriano dos Santos, Martinho de Oliveira, Jorge Viera, Matias, Serra e Moura, António Penafiel, Abrantes Mendes, Agostinho Cervantes, João Jurado, João Francisco e José Manuel Martins. Além dos jogadores «leoninos» seguiram viagem os seguintes «reforços»: António Roquete e Gustavo Teixeira (Casa Pia), Liberto dos Santos (União de Lisboa), Carlos Alves (Carcavelinhos), João dos Santos e Armando Martins (Vitória de Setúbal). O futebolista Alberto Augusto que estava no Rio de Janeiro a treinar o América. Juntou-se aos patrícios. Vasco Santana, o actor português que estava no Rio de Janeiro em 1928 afirmou a um jornal carioca: «Sou um leão velho e isso pode ser atestado pelo número de matrícula da minha carteira. Tenho também dois leõesinhos que são meus filhos e que apesar da sua tenra idade, já fazem parte dessa escola de educação física e moral que é o Sporting Clube de Portugal.»

(fotografia de autor desconhecido)