domingo, 7 de setembro de 2025

«1968» de António Manuel Venda

 


Henry Miller afirmou em «The Books of my life» que a autobiografia é a mais pura forma de romance pois a ficção está mais perto da realidade do que os factos. Por seu lado Dinis Machado sempre se guiou por uma pergunta («Qual é o lado cómico disto?)» em toda a sua vida. Tudo isto tem a ver com o livro «1968» de António Manuel Venda (n.1968) pois o ponto de partida é a sua vida e o ponto de chegada é a arte final de cada uma das 21 crónicas, prova provada de que neste autor o Jornalismo é uma disciplina da Literatura O conjunto abre com uma citação de Eça de Queirós mas o conteúdo das 119 páginas desmente as palavras: «Eu não tenho história, sou como a República do Vale de Andorra.». A primeira crónica lembra um poema de Sebastião da Gama - «Quando eu nasci/não houve nada de novo senão eu». Vejamos a crónica sobre a professora de Português em meados da década de 1980: «A professora que na verdade não passava de uma psicopata, punha as coisas bastante difíceis para nós. Daí que fosse preciso andar um pouco como na guerra, sempre de olhos bem abertos para ir sobrevivendo. Uma palavras mal escrita dava não sei quantas dezenas de repetições em casa.» Já dos tempos do ISCTE fica uma crónica sobre um professor especial: «Eduardo Ferro Rodrigues destoava um pouco da maioria que nos ia aparecendo, às vezes até de pára-quedas. Ia num Opel branco, dispensando fato e gravata e quase sempre com o jornal A Bola debaixo do braço». O tenebroso sistema cultural português surge na página 65 quando chamam «premiado faltoso» a um escritor que impediram de ter acesso à sua cadeira, receber o prémio e ouvir o discurso de José Saramago sobre os livros premiados. Fica apenas uma ideia dum livro a não perder.

(Editora: On y va, Foto do autor: Dora Nogueira, Capa: Alexandra Ramires, Grafismo: João Paulo Fidalgo)

[Livros e Autores 33]


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