quinta-feira, 31 de março de 2022

«Pensamentos» de Giacomo Leopardi

Giacomo Leopardi (1798-1837) é um poeta italiano cujo trabalho teve traduções de nomes como Agostinho da Silva, Albano Martins, Margarida Periquito e Miguel Serras Pereira. Na linha de La Bruyére, Montaigne ou La Rochefoucauld, este volume de 165 páginas integra 111 pensamentos no que em termos simples podemos considerar «moralismo». Vejamos a página 11: «Digo que o mundo é uma liga de malandros contra os homens de bem, de vis contra os generosos.» Na mesma linha se pode ler na página 149: «O homem é quase sempre tão malvado quanto lhe convém.» E na mesma página esta ideia: «É curioso observar que quase todos os homens de muito valor são simples de maneiras e que quase sempre as maneiras simples são tomadas por um indício de pouco valor.»

Na página 91 se lê: «Diz La Bruyére uma grande verdade: que é mais fácil um livro medíocre ganhar fama em virtude de uma reputação já adquirida pelo autor do que um autor ganhar reputação por meio de um livro excelente.» E na página 19 «o costume do século é imprimir-se muito e nada se ler.» Sobre o temor da morte e o desejo de velhice lê-se na página 23: «A morte não é um mal porque liberta o homem de todos os males e juntamente com os bens lhe tira os desejos. A velhice é um mal supremo porque priva o homem de todos os prazeres deixando-lhe porém os apetites e trazendo consigo todas as dores.»

Sobre o quotidiano esta ideia: «Um dos graves erros em que incorrem diariamente os homens é o se acreditarem que os outros guardem segredo.» E outra sobre penas e honras: «Tal como as cadeias e as galés estão cheias de pessoas que se declaram absolutamente inocentes, também os cargos públicos e as honrarias de toda a espécie não são exercidas senão por pessoas chamadas para tal e mau grado obrigadas a fazê-lo.»

Sobre ler e escrever uma curiosa opinião: «hoje que todos escrevem e que não há nada mais difícil do que encontrar quem não seja autor, tornou-se um flagelo o vício de ler ou declamar aos outros as próprias composições.» Sobre a felicidade humana lê-se na página 55: «Os homens são infelizes por necessidade e resolutos a julgarem-se infelizes por acidente.» Sobre o tédio está na página 97: «O tédio é, de alguma forma, o mais sublime dos sentimentos.»

Fiquemos por aqui: «Quem nunca saiu de lugares pequenos onde reinam pequenas ambições e avareza vulgar com um ódio intenso de cada um contra cada qual, toma por fábula os grandes vícios bem como as virtudes sociais sólidas e sinceras. Julga a amizade coisa pertencente aos poemas e às histórias, não à vida. E engana-se.»

(Edições do Saguão, Tradução: Andrea Ragusa e Ana Cláudia Santos, Ensaio: Rolando Damiani, Capa: Desenho de Miguel Ferreira, Paginação e capa: Rui Miguel Ribeiro, Revisão: Mariana Pinto dos Santos e Rui Miguel Ribeiro)

 [Um livro por semana 683]

 

domingo, 13 de março de 2022

«A solidão é como o vento» de Graça Pires


Depois de «Espaço livre com barcos», «Uma claridade que cega» e «Fui quase todas as mulheres de Modigliani», Graça Pires volta a publicar na «Poética Edições» quase 30 anos depois do seu primeiro livro («Poemas») que recebeu o Prémio Revelação da Associação Portuguesa de Escritores. A partir de citações de Herberto Helder e Adonis, o livro de 61 páginas nasce do que podemos designar como poema-resumo: «Encontrou-o à entrada do deserto/absorto, como se conhecesse/todas as invocações do silêncio. /Lia-se nos olhos dele a atracção pelo vento/pelas areias, pelo espaço imenso, pela solidão.»

A solidão do título do livro pode surgir expressa no masculino («Sobre os seus ombros apenas a noite/sempre tão húmida, sempre tão humilhante») mas também no feminino: «Grávida da noite /soube desde logo/que o filho não iria pertencer-lhe. /Adoptaram-no./Antes de o entregar/ela lavou-o demoradamente/com as próprias lágrimas.»

Os poemas são registos qualificados daquilo a que chamamos «vida»: «A superstição é ignorância/diziam-lhe os amigos/ Ela enumerava os medos/que lhe habitavam os gestos:/espelhos quebrados/facas cruzadas, gatos pretos/ uma progressão de alarmes/abrigado na memória/pressentindo catástrofes e azares.» Ou ainda do que podemos chamar «amor»: «Rasgou o retrato em pedaços/Enviara-lho uma amiga/ do grupo do ginásio: ele ao lado deles. /Não gostou. /Ainda tinha no sangue /a vertigem solar /do corpo que amara.» Umas vezes o poema fecha-se no «eu»: «Não frequentou a escola/no tempo de criança que lhe coube. /O trabalho instalou-se desde sempre /na orfandade de suas mãos.»Outras vezes abre-se ao grupo, ao «nós»: «O jantar estava excelente/disseram seus amigos/voltando a encher os copos. /Um rumor de vindimas/propagou-se pela sala.»

Cada poema faz a crónica de uma solidão. Seja na página 42 («Elas retêm múltiplas memórias/que definem a vida que lhes coube.» ou seja n página 47: «Procurou a cicatriz dos dias, o risco da vida/e da morte, o choro dos filhos nas horas aflitas». Mas também a confusão entre Arte e Vida na página 50: «E quanta mágoa no olhar do avô /quando o neto lhe disse em arremesso:/mas isto não é um cavalo a sério, como eu queria.»

(Poética Edições)

 [Um livro por semana 682]