quinta-feira, 29 de setembro de 2022

«Água inquieta – João José Cochofel»- org. José Manuel Mendes


Precoce em tudo na vida, João José Cochofel (1919-1982) nasceu prematuro (5 meses), emancipou-se cedo (13 anos) e estreou-se em livro aos 18 anos (1937). Sua avó (Maria Eugénia) dava-se com gente da «situação» (Albino dos Reis, Bissaia Barreto) enquanto sua mãe (Maria Albina) apoiava Revistas como «Altitude» (1939) e «Vértice» (1945) ou projectos editoriais como «Novo Cancioneiro» (1941) e tinha como seus amigos Joaquim Namorado, Fernando Namora, Afonso Duarte, Carlos de Oliveira, Álvaro Feijó, Vitorino Nemésio, Fernando Lopes-Graça, José Gomes Ferreira, Mário Dionísio, Eduardo Lourenço, Mário Soares e Maria Barroso entre outros. João José Cocohofel é lembrado nestas páginas como «activista cultural, poeta, musicólogo, crítico literário e musical, tradutor, cidadão empenhado e solidário e, acima de tudo, homem raro no seu tempo.»

A origem do título do volume está no poema da página 143: «Não sei como te chamas / locatária de um cacifo com sete filhos / nem tu / que perdeste os melhores anos /numa cela de Peniche ou de Caxias. /Doem e habitam /submersos a quantas braças tem o olvido /a água inquieta /dos meus versos.» José Manuel Mendes explica a razão de ser deste volume de 260 páginas que integra um conjunto de 22 fotografias e 2 caricaturas: «O livro abre com sonetos inéditos do meu amigo Alexandre Vargas, seguramente incluíveis entre os que compôs antes da morte, à luz do entusiasmo e da saudade do João José. Seguem-se, por ordem alfabética a colaboração de quem foi desafiado em nome do afecto, familiar ou não e dos estudos em torno da produção de João José Cochofel. Agradeço a generosidade e o empenho de cada um.»

De tantas «histórias» fica uma, exemplar e comovente: Fernando Namora, ainda estudante de Medicina, celebra o casamento mas pouco tempo depois de lhe nascer a filha, fica viúvo. Não tendo para onde ir nem quem lhe crie a bebé, é em casa de João José Cochofel que a criança é acolhida e criada, lá permanecendo até Fernando Namora se formar, altura em que vai buscá-la, o que provoca um grande choque na família que já se tinha afeiçoado à criança.

(Editora: Pequenos Livros, Caricaturas: Mário Dionísio e Fernando Namora, Direcção gráfica: José Antunes, Textos: Alexandre Vargas, António Carlos Cortez, António Pedro Pita, António Vilhena, Arquimedes da Silva Santos, Fernando Namora, Joaquim Namorado. José Carlos de Vasconcelos, José Carlos Seabra Pereira, José Manuel Mendes, Judite Cortesão, Luísa Duarte Santos, Mário Vieira de Carvalho, Octávio Quintela, Sofia Quintela, Apoio: Associação Portuguesa de Escritores)

[Um livro por semana 692]


quinta-feira, 15 de setembro de 2022

«Clara em castelo» de António Ferra


O mais recente livro de António Ferra integra 45 poemas pícaros no sentido não só de «astuto» e «malicioso» mas também aquele que «com arte e dissimulação logra o que deseja». Há nestes poemas uma dupla inscrição: o texto enquanto tal e o referente quotidiano como por exemplo «aceda ao portal das finanças», «estamos abertos ao sábado», «sala no primeiro andar» ou «cartão do cidadão ou BI».

O título do livro vem do poema 27: «O galope da zebra em tango argentino é dança no zoo/ (cagança poética), /com língua de velcro lambe a crina o bicho /de coice e martelo, /mestria de Braque em cubo incolor, /clara em castelo.»

Ao longo dos 45 poemas se percebe a já referida dupla inscrição (discurso poético - legenda trivial) pelo recurso a expressões como por exemplo «amparo de mãe» ou «URSS», figuras das letras e das artes, títulos de livros ou de peças de Teatro: Fernão Mendes Pinto, Braque, Debussy, Gargântua, O valente soldado Svejk, As vinhas da Ira, Beijo técnico.

A ironia atinge um ponto mais alto no verso que refere «a bicicleta de Bernardim» quando se sabe que de Bernardim é o rouxinol – o mesmo é dizer Coimbra.

Fiquemos com o poema 44 como legenda e despedida: «Querida Daisy, /nós por cá todos bem /a poetar na brevidade/de um orgasmo a solo/ o teu sardão morreu de sede/ a caminho do Algarve, /dá notícias, /teu Alfrede.»

(Editora: Douda Correria, Capa: Helena Sanmiguel Urbina, Composição: Joana Pires)

[Um livro por semana 691]


quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Hospital de Abrantes: Urgência de cinco estrelas


Num tempo de «bota abaixo» em que é fácil dizer mal de tudo e de todos, vou contra a corrente para dizer bem da Urgência do Hospital de Abrantes. Vitimado por uma síncope no dia 25-7-22 na Praia Fluvial do Penedo Furado, bati com a cabeça nas pedras da zona das merendas. Transportado pelos impecáveis Bombeiros de Vila de Rei, fui sujeito no Hospital de Abrantes a uma Tomografia que felizmente não acusou derrame interno. A maneira competente e simpática como fui tratado durante o «episódio» leva-me a recordar a frase ouvida no ano de 1962 em Vila Franca de Xira sobre um rancho de raparigas da região de Abrantes a caminho da Lezíria: «São sérias, asseadas e danadas para trabalhar!». 

                                                                                                                                                JCF