quarta-feira, 15 de julho de 2020

«Pavese no café Ceuta» de Francisco Duarte Mangas



Reunião de 16 narrativas em 184 páginas, deste recente trabalho de Francisco Duarte Mangas se poderá afirmar um conhecido lugar-comum – «toda a Literatura é uma homenagem à Literatura.» Depois de «Diário de Link», «Geografia do Medo» e «Jacarandá» o autor, logo na primeira narrativa, apresenta um retrato da paixão dos livros: («miram o homenzinho a alojar livros como se os metesse dentro dele.») ao lado de uma lucidez magoada («Se um homem das belas letras, à nossa frente, indispõe – que dizer de um magote, como ratinhos em busca de jorna nas remotas searas do Sul?») passando por Eça de Queirós («respeitoso como se olhasse a bandeira e ouvisse o hino») ao lado da amizade: «Se a doutora Luísa Dacosta perguntar por mim, diga-lhe, por favor, fui a Granada.» Em «Lenha verde» pode ler-se uma frase que resume tudo: «Eu escrevo lendo os outros». Ou dito de outra maneira: «Não se vende o que se ama. Em vez de filhos criei heterónimos – impedidos de herdar qualquer legado.» Em «Clandestinos» o ponto de partida é o anúncio de jornal: «Travesti Cláudia, curta temporada. Activa/Passiva. Peito XXL. Meiguinha. Sem pressas.» mas Gabriela sai do livro de Jorge Amado e procura saber algo mais de Gisberta antes de ela ser «fétida melancolia, brinquedo de moleque…» Em «Pavese no café Ceuta» o equívoco é do autor de «O ofício de viver» : «Li todos os livros do poeta que aqui julgava encontrar» mas o poeta português que o italiano procura está no café Progresso e não no café Ceuta.
Herdeiro de Leitão de Andrade, Camilo Castelo Branco e Carlos de Oliveira com as suas Miscelâneas, Narcóticos e Aprendizes de Feiticeiro, Francisco Duarte Mangas avança uma feliz definição da paixão dos livros que está na origem deste livro: «Tenho o vício absurdo de guardador da palavra escrita.» Tal como antes tinha na página 85 referido a Poesia: «A poesia, se não for o lugar onde o desejo ousa fitar a morte nos olhos, é a mais fútil das ocupações.»

(Edição: Teodolito, Editor: Carlos da Veiga Ferreira)

[Um livro por semana 647]

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