António
Carmo (n.1949) é um pintor que todas as manhãs celebra a festa do encontro numa
mesa da pastelaria-café «A Brasileira» no Chiado. Por brincadeira chamo a essa
mesa «a mesa dos resistentes» porque nela de facto resistem hoje alguns
artistas plásticos portugueses que considero os últimos da geração de Carlos
Botelho, Almada Negreiros, Jorge Barradas ou Nikias Skapinakis. Um dos meus
livros («Leme de Luz») tem capa de António Carmo e alguns textos meus
publicados no jornal «O Ponto» tiveram a sorte e a honra de serem por ele
ilustrados. Não somos amigos íntimos mas a admiração e o respeito pelo trabalho
de cada um é a regra. Tudo isto tem a ver com o quadro «Histórias do Tejo»
porque o meu olhar sobre o Mar da Palha se cruza com o do pintor António Carmo.
Em 1957 fui viver para o Montijo e atravessava os estuário do Tejo nos velhos
vapores (uma hora de viagem) para apanhar o comboio (automotora) do Rossio para
Caldas da Rainha às 17h e 20m. Uma vez durante as cheias do Rio Tejo os
empregados do vapor levavam os passageiros ao colo na Estação Sul e Sueste. Em
1966 fui viver para o Bairro de Santa Catarina e trabalhava na Rua do Ouro, estava
sempre perto do Tejo. António Carmo tem o olhar da Madragoa sobre o Rio Tejo,
todos os dias diferente, todos os dias igual. Pela minha parte até 1996 andei
sempre por ali perto: Rua do Ouro, Fontes Pereira de Melo, Rua Castilho, Rua do
Instituto Industrial. Sempre perto do Tejo. Quando havia duas horas para
almoço, o passeio dos empregados do BPA na Rua do Ouro era até ao Cais das Colunas.
Dizia-se «virar o carro», expressão irónica em 1966 para quem, como eu, só teve
acesso a automóvel próprio em 1983. Este quadro de António Carmo lembra dois
aspectos da travessia do Tejo: a grande aventura das Descobertas e o trabalho
quotidiano das fragatas.
(Crónicas do Tejo 102)
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