Em boa hora o jornal «Diário de Notícias» publicou uma
colecção de fotografias de Lisboa com o título de «Lisboa antiga». No livro
«Século passado» de Jorge Silva Melo (Edições Cotovia) descubro uma crónica
notável sobre a vida no Saldanha nos idos anos 60 do século XX. A ler: «Sempre
que, agora, por lá passo, pelo Saldanha, sinto-me fechado, angustiado,
enterrado, esmagado, Foi ali que abri a minha vida juvenil, início de poemas,
ideias de filmes e artigos, artigos, política. E agora quase só lá passo de
carro, ponho-me a olhar para o que já não reconheço: há branco a mais, vidro a
mais, atafulhamento de volumes, luzes a mais e não percebo o que por ali há,
lojas e lojas onde não ouso entrar, marcas a mais, uns cinemas, umas caves,
outras lojas, não sei, sei que nada daquele mundo é para mim, agora, parece-me
arrabalde, auto-estrada. E foi, durante anos, o centro de Lisboa, da minha vida
universitária, da Lisboa conspirativa dos literatos e cineastas, da gente do
teatro e dos jornais. E era nos cafés, abertos desde manhã cedo a até de
madrugada, abertos aos feriados e aos domingos que tudo se ia passando. A
modorra de quem não sabe o que pode fazer para que as coisas mudem, as
discussões sobre o filme acabado de estrear na sala ao lado, a análise do livro
recenseado no suplemento do «Diário de Lisboa», nossa leitura obrigatória a
partir das cinco da tarde, a participação nas polémicas que zurziam, os
projectos profissionais. E, ao domingo, era o almoço com a família no Monte-
Carlo, almoço demorado com pratos e sobremesas e conversas sobre cinema, o
filme que se havia de ver naquela noite, se o Bem-Hur no Monumental, se o Quanto
mais quente melhor, lá em baixo no São Jorge.» (Fim de citação…)
(Crónicas do Tejo 106)
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