(dedicado a Thomas
Francisco Sutherland em Londres)
Este é o meu eléctrico desde 1966 quando comecei a trabalhar
no BPA da Rua Áurea nº 110 e morava na Travessa do Caldeira, ali à Calçada do
Combro. Nesse tempo o «28» subia a Rua Augusta e descia a Rua Áurea à noite e
nos fins-de-semana. Isso permitia-me ir ao cinema Estúdio 444, apanhar o Metro
na estação do Campo Pequeno, sair na do Rossio e esperar o «28» ao pé das
floristas do Largo. Outro dia arrancaram os carris ds Rua Áurea e foi para mim
doloroso porque aqueles ferros eram parte da minha memória viva tantos anos
depois daquelas tão antigas viagens.
Anos depois foi o meu filho Filipe que nele viajou com os
seus mais chegados amigos (os Tiagos e o Hélder) no tempo da Escola Secundária
David Mourão-Ferreira e mais tarde quando a Escola Veiga Beirão mudou de nome.
Tinha sido ela a minha Escola em 1971 quando, graças ao trabalho do Poeta
Manuel Simões, nosso professor, os meus primeiros poemas foram editados e saíram
num livrinho colectivo com o título de «Lugar de Ser».
O meu neto Thomas chama-lhe «my tram» (o meu eléctrico) e
fica surpreso quando no Largo das Duas Igrejas vê passar o «28» que vem dos
Prazeres para a Graça. Admira-se em voz alta: «look, there is another!». Ou
seja, «olha afinal há outro!». Claro que há outras memórias do mesmo eléctrico.
Eu próprio, já avô, fui muitas vezes no mesmo «28» à Voz do Operário ali na
Graça buscar o meu neto Pedro o fim da tarde.
Este «28» é afinal todos os eléctricos que transportam passageiros e
memórias, eles são uma cápsula do tempo feita de vidro e de madeira, feita de
ferro e de napa – que os bancos de palhinha já não existem. Só a memória, só a
recordação, só o sentimento.
(Crónicas do Tejo - Fotografia de autor desconhecido)
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