O segundo título do livro é «Serra
de Monchique, num dos grandes incêndios deste século» e ajuda a situar este
volume de 159 páginas assinado por António Manuel Venda (n.1968) mas o texto da
contracapa explica melhor: «O grande incêndio da Serra de Monchique, em Agosto
deste ano, marcado pela polémica sobre a actuação dos inúmeros meios
disponibilizados para a zona, não foi uma novidade. No início deste século, a
mesma serra já tinha sido invadida pelo fogo de uma forma avassaladora. Este
livro, cuja primeira edição foi publicada há nove anos, conta uma das noites da
tragédia em 2003, mostrando como já nessa altura o combate às chamas parecia
ser algo proibido na serra.»
O pano de fundo deste conflito
é antigo na sociedade portuguesa. Desde sempre existiu uma clivagem, uma
divergência, uma ruptura, entre as Cidades e as Serras, a Corte e o Campo, o
Urbano e o Rural. No ano de 2003 além da Serra de Monchique ardeu 90 por cento
da mancha florestal de Vila de Rei, morreram perto de vinte pessoas mas o
assunto não foi muito tomado a sério. A chamada «agenda política» esteva
voltada para outros campos, os campos de futebol que estavam a ser inaugurados
em Agosto de 2003 já a pensar no Europeu de 2004.
Voltando à relação
«Urbano-Rural», na página 13 identifica-se a Cidade com o Inferno: «O inferno
uma cidade… Lembrei-me disso. Lembrei-me da minha ideia do inferno, a que tinha
desde a infância, uma cidade moderna, muitos prédios, ou antes, com
arranha-céus – talvez a expressão mais adequada para o caso.» Ao contrário da
cidade (comboios, autocarros, bicicletas, automóveis) o campo é povoado por
animais (escalavardos, gatos-bravos, raposas, coelhos, veados, texugos,
javalis, aves) e por pessoas numa relação intensa com a Natureza: «Naquela
aldeia ficava a casa onde tinha vivido a minha avó, onde a minha mãe tinha
nascido, onde tinha crescido, onde tinha estado até ao seu casamento.» Noutra
página se anota uma relação implícita entre a serra (a aldeia) e a vida (a avó)
: «A minha avó a querer ir para a aldeia junto ao ribeiro, que não ficava a
mais do que algumas centenas de metros se se continuasse a descer pela estrada
de terra.» A avó surge como um símbolo da Terra e do seu eco-sistema, algo que
foi destruído mas não morto. A ruptura, as costas voltadas, os dois mundos
separados (Natureza e Cultura) estão sempre presentes, seja no ministro («o
motorista para levá-lo para o remanso da capital»), seja no homem que dá ordens
(«Um homem que mandava nos bombeiros, três ou quatro políticos, uns técnicos de
uma direcção qualquer») e, mais adiante, «dava ordens de copo de whisky na mão». Whisky em vez de medronho, a Cidade em vez do Campo, aí está (ou pode
estar) o ponto da questão.
(Editora: On y va, Foto do autor: João Andrés, Paginação: João Paulo
Fidalgo)
[Um livro por semana 607]
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