Eduardo Guerra Carneiro (1942-2004)
começou a publicar em 1961 («O perfil da estátua») mas é um livro de 1970
(«Isto anda tudo ligado») que o torna conhecido, citado e referido. Jornalista
sempre (República, O Século, Diário de Lisboa, Diário Popular, Tempo) a sua
poesia é feita, segundo Vítor Silva Tavares em Agosto de 1978, de «memórias,
sonhos, encontros, desencontros. As marcas incisivas do prazer – e do
conhecimento da dor».
O jornal «Tempo» saía à quinta-feira,
veja-se o poema da página 34: «Abandono agora estas palavras / e deixo que elas
sirvam de pedal. / À quinta-feira tombam desarmadas. / Em desleixo as largo.
Não são estas / já minhas as palavras. São papel.» Em Mafra o poeta teve como
companheiros de Instrução José Cid, Nuno Guimarães e Adriano Correia de
Oliveira. Lá, na Tapada, ensinavam a matar: «Em certos meses mafras se povoam /
de soldados novos. São meses sol / de guerra que aqui dentro vai roendo / as
mãos e lá fora vai matando / homens.»
A poesia de Eduardo Guerra Carneiro oscila
(também mas não) só entre a paisagem e o povoamento, entre as corridas e os
cafés. Vejamos no primeiro caso: «As motos roncam no circuito / de Vila Real e
lá estou eu, pendurado no muro das traseiras, a espreitar a Norton / que vem à cabeça, curvando, espectacular /
na rampa de São Pedro.» No segundo caso temos «Nos cafés desenham os paisanos,
vulgares / senhores de bagaço e genebra, raspando o mármore / entre as folhas
do jornal. Morrem os cafés / com seu bilhar, bengaleiro e escarrador.» O poeta
era vizinho de gatos e de Agostinho da Silva: «Resta-me ouvir os do vizinho,
também sábio / e eu próprio ronronar / para o teu sorriso, de gato, no
plátano».
Findo o livro de 202 páginas fica o
desafio de sempre e para sempre: «É um desafio permanente esta aventura da
escrita, corpo-a-corpo com o desejo de inventar
a comunicação ou descrever o desejo. Desafio, pois, entre os muros da
ignorância , os canais da imaginação, na paisagem real ou recriada.»
(Editora:
Língua Morta, Selecção: Miguel Filipe Mochila, Prefácio/Posfácio: Vítor Silva
Tavares, Colaboração: Sérgio Guerra Carneiro)
[Um livro por semana 596]
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