Vem do lado da luz e faz um vagaroso intervalo na pressa do trânsito, tão
veloz e tão compacto.
É um tempo novo que os seus olhos abrem no que resta da manhã: a cidade
tinha uns taipais de névoa e foi a sua força que os rompeu. Barcos aflitos
apitaram no Tejo o desassossego da rota duvidosa.
São estes os paradoxos do Tempo: quem procure o seu bilhete de identidade
achará cifras e datas, uma cronologia pesada. Porém, nem a voz nem o olhar nem
o corpo solto e leve se conjugam com o tempo registado. E a luz, aquilo a que
chamo luz, mistura de respiração e olhar, retrato e volume, ruptura e
movimento, essa continua a iluminar quem dela, mulher-menina, se aproxima. Tal
como há vinte e cinco anos ela transporta as quatro estações na voz, os dias da
semana no olhar, os meses no rosto, as horas nas mãos.
É o tempo condensado de uma viagem entre o campo e a cidade.
Celeiro de emoções, adega de perfumes, eira de saudades, sótão de memórias,
a sua voz é, ainda hoje, o registo pessoal da luz da aldeia contra a névoa da
cidade.
(Óleo de Albert Linch)
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