segunda-feira, 16 de junho de 2025

«História do Sporting Clube de Portugal» de Luís Augusto Costa Dias com Paulo J.S. Barata


Com o subtítulo de «Uma nova abordagem das origens aos anos Alvalade» este livro de 254 páginas tem o ponto de partida na página 12: «Esta História do Sporting Clube de Portugal é, a vários títulos, nova, antes de mais porque ao inserir a história do clube na história da cultura e do desporto em Portugal, a inscreve na Nova História Cultural, que se coloca no social e radica a análise de factos, pessoas e instituições nos contextos mais amplos das sociedades. Apesar de se tratar de uma nova abordagem, não se pretende fazer aqui uma reescrita de história do Sporting, antes a sua renovação e aperfeiçoamento.» O facto de esta «era» da vida do Clube ser chamada «Anos Alvalade» assenta em Salazar Carreira, conhecido atleta e dirigente que escreveu o seguinte em 1922 no Boletim do SCP: «Quando um dia se escrever a história do nosso clube, já cheia de páginas de glória, ligando intimamente a sua vida à vida do desporto português, salientar-se-á formidavelmente a influência indirecta de José Alvalade no desenvolvimento do desporto nacional.» Afirma-se na página 61 «José Alvalade não foi apenas um criador de instalações desportivas; foi sobretudo um excelente organizador, obstinado, rigoroso, meticuloso. Foi ainda um conceptualizador, um empreendedor e um concretizador de planos. As suas ideias veiculam uma nova noção de desporto e de prática desportiva.» Eis uma citação do seu texto de 1910: «O carácter português é orgulhoso e sobretudo pouco paciente. O seu desideratum é conseguir em pouco tempo, ou para ser mais exacto, é conseguir mais do que pode ser.» Do Sport Club de Belas em 1902 ao Campo Grande Foot-ball Club em 1904 e ao Sporting Clube de Portugal em 1906, é uma «viagem» a não perder.       

(Editora: Contraponto, Edição: Paulo Morais e Raul Couceiro, Revisão: Luísa Pinho e Cristina Dionísio, Design da capa: Diana Cordeiro)

 [Livros e Autores 30]


domingo, 11 de maio de 2025

«Sala de espelhos» de Urbano Bettencour


É provável que Urbano Bettencourt (n.1949) tenha ouvido a advertência - «Se quer ser alguém nas Letras, não perca tempo a escrever sobre os livros dos outros». Ensaísta, poeta e ficcionista, a sua obra é um «não» a esse aviso; este «Sala de Espelhos» vem confirmar o seu (digamos) lugar de ser. O ponto de partida destas 427 páginas lê-se na página 9: «Aquilo que aqui se propõe, longe der ser uma história literária, é muito simplesmente a análise de autores e textos particulares, mas sem perder de vista o seu contexto, as condições em que lhes foi possível existir, ganhar visibilidade e a realização plena no contacto com o leitor.» Os autores estudados são os seguintes: Florêncio Terra, Roberto de Mesquita, Manuel Zerbone, Luís Francisco Bicudo, Armando Côrtes-Rodrigues, Raul Brandão, Vitorino Nemésio, Maduro Dias, Manuel Ferreira, Natália Correia, Dias de Melo, Pedro da Silveira, Eduíno de Jesus, Fernando Aires, Fernando de Lima, Manuel Lopes, Resendes Ventura, José Martins Garcia, Daniel de Sá, Álamo Oliveira, J.H. Santos Barros, João de Melo, Mário Machado Fraião, Ana Ferraz da Rosa, Joel Neto, Alexandre Borges, Nuno Costa Santos, João Pedro Porto e Carlos Nogueira Fino. Mas o livro não se esgota nos autores e nos temas sugeridos na página 427; integra o seu autor que se salvou pelos livros e ainda bem. Vejamos como era o tempo de meados da década de 50 no Pico: «A camioneta arrancava às cinco horas. Às nove horas, depois de quarenta quilómetros de ilha e amais nove de Canal, desembarcávamos na Horta, a cidade em frente.» Se eram complicadas as viagens na estrada e no mar, as viagens nas Letras não o eram menos; em casa não havia Odisseia nem Os Lusíadas nem Guerra e Paz nem Bíblia. Numa pequena loja vendia-se açúcar, farinha, tecidos, petróleo, sal, botões, cadernos e lápis para ardósias; havia também um livro nunca lido de Max du Veuzit (John chauffer russo) mas mesmo assim a peça chave na formação do autor. Sala de espelhos - um livro a não perder.

(Editora: Companhia das Ilhas, Direcção: Carlos Alberto Machado, Assistência editorial: Sara Santos, Foto do autor: Eduardo Bettencourt Pinto, Design: Inês de Matos Machado)

[Livros e Autores 29]


terça-feira, 29 de abril de 2025

«Barcelona» de António Manuel Venda


Em 1923 Jorge Luís Borges (1899-1986), argentino com origens familiares portuguesas em Moncorvo, publicou o livro de poemas Fervor de Buenos Aires. Em 2021, quase cem anos depois, António Manuel Venda (n.1968) publica este livro de poemas com o título de Barcelona. Além dos títulos com referências a nomes de cidades pouca coisa aproxima os dois volumes: o primeiro é uma viagem sentimental pelas ruas de Buenos Aires, o segundo é uma viagem pelos sonhos e pelas memórias do autor. Os vinte e cinco poemas que integram este livro são um transporte entre o sonho do futuro e a memória do passado. Uma ideia da viagem está inscrita no primeiro poema: «eu/olhando para o céu azul/um céu tão cheio/tão cheio mesmo/de estradas brancas/perguntei-me/baixinho/quase como/se não tivesse voz/em qual dos pássaros/pequeninos de metal/poderia estar/então/se tivesse decidido/precisamente/nesse dia/viajar para barcelona» Um conceito de futuro lê-se na página 68: «o que interessava/era marcar uma data/para a reunião/agrupar as hostes/e avançar com a coisa/ou melhor/com as coisas/as grandes coisas/para ver se/de uma vez por todas/ resolviam o problema/do concelho/se voltavam/a pô-lo no mapa/se é que alguma vez/algum mapa/já tinha referido/o concelho/entenda-se»Um retrato do passado regista-se na página 13: «teria de recuar/até à adolescência/para te encontrar de novo/teria de fazer/ todo o percurso/desde o sul/no autocarro/que arranjaram/para a escola» Volta o passado na página 59: «éramos tão jovens/ naquela altura/há tanto tempo/o teu país/ainda não estava/na união europeia/aliás/ainda não se chamava/união europeia/embora estivesse quase/a chamar-se» Se o sonho é uma viagem, a viagem pode ser um sonho: «e eu/quando durmo/sabendo desta história/quando verdadeiramente/durmo/por vezes /sonho tambérm /e em cada sonho/viajo para um país/distante do lugar/onde terei nascido.»

(Editora: On y va, Foto: Dora Nogueira, Grafismo: João Paulo Fidalgo)

[Livros e Autores 28]

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

«O sábio da Miragaia» de Álamo Oliveira


Álamo Oliveira (n.1945) é autor de poesia, romance, conto, teatro e ensaio. Apresenta a figura central em quatro frases: «Sou apenas um velho sem vontade de morrer.», «Sabes, eu venho do tempo em que a liberdade era uma miragem no deserto da opressão.», «Claro que tenho pena de morrer. Mas já vivi bastante, rodeado de gente boa e bonita.» e «Não gosto de ser velho.» O discurso não se centra no «eu» antes se alarga ao «nós»: «A preocupação de dar aos filhos tudo o que eles querem não deixou tempo para lhes ensinar que o amor é mais importante que esses aparelhinhos de teclado com bonecos.». Nas conversas entre o velho e o jovem há um inventário onde cabe a Guerra («As colónias engoliam os jovens com um apetite insaciável.») mas também a Ilha; do particular («sempre que o toiro do dólar se deitava, as vacas do escudo iam todas dormir com ele.») ao geral: «Lembra-te que viver numa ilha é também um privilégio.» O discurso integra a Autonomia («A autonomia é uma vaca, à solta, num cerrado de pasto. É livre para comer sempre que lhe apetecer mas não pode saltar a parede»)  e o «25 de Abril»; o presente («Alguém vai perder alguma coisa – regalias e dinheiro. Outros vão ganhar o que alguns perderam.») e o futuro: «haverá gerações que nunca acreditarão que o povo português viveu sob uma ditadura, onde a palavra Liberdade nem podia ser sonhada.» Sem esquecer os caciques: «É uma mistura de tudo o que não presta.» Não por acaso o fio narrativo conclui em 1-1-80 a lembrar o poema de J.H. Santos Barros: «Não perecerás ó destruída!». Além da citação de J.H. Borges Martins, o texto recorda Almeida Firmino («escapou-se pelo mar para ficar perto do céu») e Carlos Faria: «há meses que partiu, carregado de saudades, para a sua Golegã». Escrito na Pandemia, este é um livro para todos os tempos.    

(Editora: Companhia das Ilhas, Direcção: Carlos Alberto Machado, Assistência editorial: Sara Santos, Capa e arranjo gráfico: Rui Belo, Pintura e foto: Rui Melo, Apoio: Município de Angra do Heroísmo)

[Livros e Autores 27]