Portugal
é um país pequeno na Geografia mas grande nos Paradoxos; tropeçamos no
insólito, no peculiar, no inesperado. Há o morto que fala, o cantor que não
canta, o juiz que fala na TV e nos jornais. No Futebol Português primeiro jogou
em 18-12-1921 a selecção nacional e só depois em 18-6-1922 se disputou a final
do Campeonato de Portugal. O paradoxo deste livro de Gonçalo Pereira Rosa
(n.1975) está implícito: os estágios nos hotéis foram o motivo de ruptura,
hostilidade e afastamento de Allison mas foi em algo parecido com estágios (almoço,
lanche e jantar em restaurante) que os jogadores do Sporting criaram, cimentaram
e deram corpo à sua união, à sua amizade e ao seu companheirismo. Dinis Machado
contou-me que seu pai, Oliveira Machado, dono do «Farta Brutos», ex-árbitro,
colaborador do RECORD e benfiquista fanático, o levou à Rua Jardim do Regedor
para ver a Sala de Troféus do SLB. No fim da visita ouviu-o dizer: «Eu sou do
Sporting porque apertei a mão ao Jesus Correia!». Gonçalo Pereira Rosa apertou
a mão a antigos jogadores leoninos e ao longo de quatro anos reuniu depoimentos:
Meszaros, Melo, Fidalgo, José Eduardo, Francisco Barão, Inácio, Eurico,
Zezinho, Virgílio, Marinho, Ademar, Lito, Mário Jorge, Esmoriz, Carlos Xavier,
Freire, Alberto, Nogueira, Manuel Fernandes e António Oliveira. Não só os
jogadores mas também outras figuras da época: Mário Mateus (Marinho), Manuel
Pinto Coelho, Armando Biscoito, Eugénio Silva Ribeiro e João Xara Brasil. O
livro tem 316 páginas, 12 capítulos e 1 epílogo e com as 16 páginas a cores é
uma fotobiografia. Um dia Brian Clough, em conversa com Allison afirmou: «Não
terás problemas com directores até ao momento em que tiveres sucesso». Pedro
Gomes e Barnabé testemunham a mesma atitude; depois de vitórias nas «Reservas»
do Sporting com o Alhandra e o Sintrense foram castigados por falta de empenho.
O mesmo é dizer falta de esforço, devoção e dedicação. Os directores nunca
poderão ter com eles a glória; só lhes resta o poder. Andei pelo país de 1988 a
2006 em reportagem para o Jornal SPORTING e posso testemunhar que Jesus Correia
ou Manuel Fernandes eram festejados com júbilo enquanto os vice-presidentes
eram ignorados. O despedimento do médico Pinto Coelho por um director à porta
do autocarro «leonino» foi uma facada no treinador Alison, seu amigo de todas
as horas. Em 1928 nos Jogos Olímpicos de Amsterdão Portugal começou por ganhar
ao Chile por 4-2 e à Jugoslávia por 2-1 vindo a perder com o Egipto por 2-1, o
Egipto que a Itália venceu por 9-0. A equipa do Sporting teve uma maldição
parecida: venceu o Campeonato e a Taça de Portugal mas foi eliminada na Taça
UEFA por uma equipa com nome de medicamento. O incrível aconteceu em 1982 como
em 1928. Passar do particular para o geral é um dos méritos deste livro. Cada
história vale por si mas desenha o quadro de um tempo português em 1981-82 um
tempo sem telemóveis nem Internet mas no qual já existiam as raízes do actual
estado de coisas. Um exemplo: Southampton e a tentativa de esconder na RTP o
filme do jogo no qual pela primeira vez uma equipa portuguesa venceu uma equipa
inglesa em Inglaterra. A página 167 do livro compara o jogo de futebol a um
circo. É um tema que dá pano para mangas. Um dia Fernando Assis Pacheco
escreveu «Se eu fosse Deus parava o Sol sobre Lisboa». Eu digo «Se eu fosse
Deus faria com que este livro tivesse os leitores que merece». E apertava a mão
ao Gonçalo como o Dinis Machado apertou ao Jesus Correia.
(Editora:
Planeta, Revisão: Fernanda Fonseca, Fotos: José Lorvão e Arquivo Manuel Pinto
Coelho - Um livro por semana 593)
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