Autor de «Aquário» (1979) e «Jornal
Poliédrico» (1989). Mário Duarte (1954-1978) pôs termo à vida em 1978 na
Holanda onde vivia como exilado. Na apresentação do segundo livro Fernando
Venâncio escreve: «Desconhecemos, ainda, o Diário
de Mário Rui. Nele se encontrará, porventura, resposta para a interrogação
sobre o grau de consciência que o jovem exilado tinha do seu talento, em
particular literário. Do que não resta dúvida é que o escritor Mário Duarte
tinha virtudes das que mais recomendam um oficial das letras: era laborioso e
era um insatisfeito. Não é impensável que, ultrapassada a euforia dum início de
reconhecimento, Mário Duarte repudiasse, garbosamente, os seus ensaios de
juventude. Hoje, eles são todo o acervo
de um autor por quem os Desuses já guerreavam.» Citemos um dos textos: «Corredores Os corredores. O Hospital:
edifício erecto e escuro. Os rostos semeiam-se na imensidão asséptica das
enfermarias. O edifício está esventrado por corredores-gemidos. E os elevadores
furam as paredes com pessoas de batas eficientes. As lavandarias produzem as
batas entre indescritíveis ruídos brancos. O fumo das roupas acende muito feliz
por uma chaminé de metal (um osso desmesurado, oco, em espirais). Os doentes
olham os corredores com espanto. As camas disseminam-se. As camas invadem os
corredores. Gritam as enfermeiras de touca eriçada. Os doentes emudecem. Os
estudantes da Faculdade riem o espaço dos lábios. Os doentes imóveis. As pernas
das camas caminham docemente pelas áleas laterais. Gritam os partos. As
crianças dolorosas enxameiam os corredores de urina. À mulher dói-lhe o fruto:
o nascimento. A cara crispa-se. Os lábios enrugam-se. A criança não quer sair.
O útero lateja como um solo de clarinete.» (Fim
de citação)
(Crónicas
do Tejo 107 - fotografia de autor desconhecido)
Sem comentários:
Enviar um comentário