quinta-feira, 7 de setembro de 2017

O eléctrico «28» debruçado sobre o Rio Tejo


(dedicado a Thomas Francisco Sutherland em Londres)

Este é o meu eléctrico desde 1966 quando comecei a trabalhar no BPA da Rua Áurea nº 110 e morava na Travessa do Caldeira, ali à Calçada do Combro. Nesse tempo o «28» subia a Rua Augusta e descia a Rua Áurea à noite e nos fins-de-semana. Isso permitia-me ir ao cinema Estúdio 444, apanhar o Metro na estação do Campo Pequeno, sair na do Rossio e esperar o «28» ao pé das floristas do Largo. Outro dia arrancaram os carris da Rua Áurea e foi para mim doloroso porque aqueles ferros eram parte da minha memória viva tantos anos depois daquelas tão antigas viagens.
Anos depois foi o meu filho Filipe que nele viajou com os seus mais chegados amigos (os Tiagos e o Hélder) no tempo da Escola Secundária David Mourão-Ferreira e mais tarde quando a Escola Veiga Beirão mudou de nome. Tinha sido ela a minha Escola em 1971 quando, graças ao trabalho do Poeta Manuel Simões, nosso professor, os meus primeiros poemas foram editados e saíram num livrinho colectivo com o título de «Lugar de Ser».
O meu neto Thomas chama-lhe «my tram» («o meu eléctrico») e fica surpreso quando no Largo das Duas Igrejas vê passar o «28» que vem dos Prazeres para a Graça. Admira-se em voz alta: «look, there is another!». Ou seja, «olha afinal há outro!». Claro que há outras memórias do mesmo eléctrico. Eu próprio, já avô, fui muitas vezes no tal «28» à Voz do Operário ali na Graça buscar o meu neto Pedro o fim da tarde.  Este «28» é afinal todos os eléctricos que transportam passageiros e memórias, eles são uma cápsula do tempo feita de vidro e de madeira, feita de ferro e de napa – que os bancos de palhinha já não existem. Só a memória, só a recordação, só o sentimento.

(Crónicas do Tejo 75 - fotografia de autor desconhecido)

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