Num
primeiro olhar vejo neste belíssimo quadro de 1957 o sorriso de Lena, a menina
de 1976 quando subia ao monte de pedras do Jardim da Estrela para ver o Rio
Tejo. Lena, ela-mesma, a Leninha, a mais nova num gruo de cinco irmãos (Kiki,
Guida, Tó, Rui, Lena) a Lena que estava na Quinta do Conde num tempo de sonhos
quando parecia a todos nós que o tempo não voava, como voa, afinal. Escreveu um
dia Ruy Belo que «o medo da morte é a fonte da arte» e talvez seja essa a razão
para o quadro de Maria de Lourdes Mello e Castro e para a minha obscura e
discreta crónica. Hoje estamos em 2017, sessenta anos depois do quadro, falo
com Lena uma vez por ano e sei que as suas filhas já estudam na Universidade.
Eu próprio sou um portador de passe da terceira idade que me dá descontos
porque pago hoje metade do que pagava em Fevereiro passado. A viagem da obra de
arte é outra, não precisa de autocarros ou Metros nem de comboios para
atravessar a paisagem e o povoamento da nossa vida cinzenta.
A
obra de arte torna-se mais portátil, mais leve, mais particular. Graças à
multiplicidade das cópias de um quadro de 1957 podemos hoje recordar num óleo com
sessenta anos uma menina que nasceu em 1976 e nunca mais saiu da memória deste
seu amigo nascido em 1951. Num quadro, tal como num poema, cada leitor
apropria-se daquilo que julga poder guardar junto ao lado mais sentimental do
corpo humano – o lado do coração. Num certo sentido não podia ser a Lena que em
1957 ainda não tinha nascido mas no quadro é de facto, na verdade, a Lena. Essa
Lena de 1976. O esplendor do sorriso, a luz do olhar, a serena contemplação do
Mundo. Ou dito de outra maneira e como queria André Breton: «É no amor humano
que reside todo o poder de regeneração do Mundo».
(Crónicas do Tejo 77)
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