sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

«Os rios de mim» de Ronaldo Cagiano



Ronaldo Cagiano nasceu em Cataguases (Minas Gerais – Brasil), é licenciado em Direito, viveu em Brasília e em São Paulo, tendo-se radicado em Portugal (Costa do Sol) e estreou-se em livro em 1989 com «Palavra engajada» (poemas).
Neste livro de 2018 o ponto de partida é o «eu»: «Nasci empurrado pelas águas/ de um ribeirão em fúria / numa madrugada espúria / com sua opulência de gritos, / abril se despedaçando». O ponto de chegada é o lugar no qual «Há um mundo dentro das palavras/ (máquina soturna) / que tento desbravar: / esse promontório / que é sedução / ou abismo.» e surge uma certeza: «A viagem ao passado / nunca regressa: / na combustão da memória / sinto um cão / chafurdando o íntimo / adulando um cardume de açoites.»
Pelo meio, entre o ponto de partida e o ponto de chegada, ficam as viagens (Buenos Aires, Lisboa, Roma) e os rios (Tibre, Tejo). Tal como Federico García Lorca, o autor poderia afirmar num verso que «a vida não é bela nem sagrada» mas, e ao mesmo tempo, o poeta teima, teima sempre: «Não há metáfora possível / no cativeiro da fé. (…) Na contumácia da mentira / residem a inexatidão da vida / a persuasão da morte. / Nas vísceras do pranto / a denúncia do que não sabemos. / Minha vida só reconhece / o matraquear das dúvidas / e sua rumorosa oficina de desacertos.»
Num duplo registo (Natureza e Cultura) os poemas oscilam entre a Geografia,  o Cinema, a Literatura e a Música. O livro abre com o poema que dá título ao conjunto: «Nas águas do velho rio / que passa pela minha cidade / e corta minha memória / feito / lâmina resoluta / há barcos misteriosos / que conduzem sonhos e malogros / do menino que adormece em mim.» O Cinema está no poema da página 34: Almodóvar e Kiarostami. A Literatura está nas citações e até num poema em diálogo com a Poesia de Murilo Mendes. Versos de Eugénio de Andrade, Fernando Pessoa, João Cabral de Melo Neto, David Mourão-Ferreira, Manuel Bandeira, António Cícero ou Nuno Júdice ajudam o Poeta a responder à «dor» do Mundo que é sempre muito mais do que «uma sílaba atroz».
      
(Editora: Urutau, Apresentação: Álvaro Alves de Faria, Revisão: Beatriz Regine Guimarães Barboza, Edição; Tiago Fabris Rendelli e Wladimir Vaz)

[Um livro por semana 609]

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