Neste seu quinto livro de ficção, Alice
Ruivo (n.1955) retoma o universo sentimental dos seus primeiros romances: O amargo e doce sabor da vida, Matilde, Carlota e Juliana e No dorso do vento. Neste No
lamaçal da Primavera o ponto de partida é o casal Aurora e Jaime que vê a
sua longa relação sacudida por uma frase de Jaime («Vamos para o divórcio»)
originando em Aurora uma nova situação: «Não é fácil recomeçar aos cinquenta e
cinco anos mas estava decidida a deixar para trás os cacos, as pálpebras
vermelhas e os soluços inacabáveis.»
O livro organiza-se em histórias cruzadas
de várias gerações, a autora evidencia o mérito de partir sempre do particular
para o geral deixando o registo de um certo tempo português entre 1945 e 2015,
algo como setenta anos. Foi em 1945 que os pais de Aurora (Severino e Amélia)
casaram. Com o divórcio de Aurora e Jaime a transitar em julgado, surge uma
aproximação a Mariana: «Mariana colocou a mão sobre a sua nuca, procurou a raiz
naquela massa de cabelo. Beijaram-se. Sentiu o seu clitóris endurecer, sair do
seu esconderijo para se oferecer à fricção.» Mais à frente acontece o desenlace
(«não criámos raízes, na verdade muita coisa nos separa») e a conclusão: «Célia
era mãe de Severino (pai de Aurora) e de Olinda (mãe de Mariana). Tinham a
mesma avó. A avó Célia. Eram primas. Ou meias-primas.» Mais tarde Aurora fará o
balanço com Mariana: «Eu não deixei o Jaime, ele é que me deixou. Por isso tu
não foste uma troca, da mesma forma eu também não fui para ti. Ou seja: não
deixaste a Odete por mim e ainda bem. Por isso aqui ninguém usou ninguém.
Acontece entre duas criaturas que são livres e donas da sua pessoa.»
Tal como no caso Aurora/Jaime, com o
problema de Constança e Fernando passa-se o mesmo: o conflito passa do privado
para o social e a história torna-se exemplar, ganhando assim o estatuto de
história de proveito e exemplo. Um livro de 179 páginas que se lê com a
sofreguidão de um «policial» não à procura do criminoso mas à descoberta do lugar
específico do tecido social onde os dramas se escondem e se revelam.
(Capa:
Maria Soledade Centeno, Prefácio: José Luís Outono, Posfácio: Lynda Carvalho - Um livro por
semana 590)
Muito obrigada meu amigo por mais uma vez, à semelhança dos anteriormente publicados, se debruçar sobre a leitura do meu mais recente livro. Belíssima crónica, num registo muito seu, que aprecio. Muito grata. Um forte abraço.
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