terça-feira, 6 de outubro de 2020

«A luz de Pequim» de Francisco José Viegas

Neste seu nono livro com o inspector Jaime Ramos em figura principal, Francisco José Viegas (n.1962) define o submundo da noite portuense como «uma guerra civil na cidade» e junta, como numa oração, dois Mundos: o dos Homens e o dos Deuses. Entre o precário da Vida e o inevitável de Morte, só o Amor resolve e abre uma luz sobre o Mundo. Tal como na Contabilidade, o escritor assina o Inventário e o leitor estabelece o Balanço que se divide em Activo, Passivo e Situação Líquida. Não por acaso o escritor argentino Jorge Luís Borges se refere a Moncorvo como a terra dos seus avós. Sempre que alguém invoca o seu nome em qualquer parte do Mundo, é Portugal que é lembrado e referido. Não esquecer: foi um apaixonado pela literatura policial. O livro parte de uma descrição de um crime em Moncorvo mas a sua geografia não se limita a Trás-os-Montes e chega a Pequim: as páginas375 e 395 referem de modo explícito «a luz da Pequim».

Jaime Ramos surge na página 15 como «um monumento classificado como velharia que mais tarde ou mis cedo seria removido o seu pedestal e substituído por um halograma» e na 27 como «um homem tolerado, uma sombra do que já fora, uma respiração ofegante que subia degraus numa casa deserta e que conhecia a penumbra da suspeita, uma desconfiança que as novas gerações usavam como método de gestão de recursos humanos» para na 98 ouvir alguém dizer: «Não fazes os relatórios a horas, confias no destino, não respondes aos pedidos de informação, és um empecilho, fazes o que te apetece» e termina na págian 247 a dizer: «Eu não trabalho em homicídio para mudar o mundo nem para fazer do mundo um lugar melhor. É mais para castigar os criminosos e cumprir uma função. Crime e castigo. Punição. Vingança.»

Não é possível resumir um livro de 396 páginas em meia dúzia de linhas mas fica o firme convite à leitura. Mesmo que na página 176 apeteça dizer em voz alta ao «artista» que fala de escritores e fascismo esta coisa elementar: em 1965 a PIDE destruiu a Sociedade Portuguesa de Escritores na Rua da Escola Politécnica por causa do Prémio atribuído ao escritor Luandino Vieira pelo livro «Luanda». Natural de Ourém e José Martins da Graça de seu nome. Mas isso é outra coisa e um livro de ficção vive dessas falas de gente desalinhada e distraída. Uma nota final para a página 395 onde o nome do Bairro em Pequim significa «voltado para o sol» mas Beto e Roberto da Ganga foram encontrados com o rosto voltado para o chão «de poeira e folhagem envelhecida.»

(Edição: Porto Editora, Capa: Manuel Pessoa, Foto: Getty Images)

 [Um livro por semana 653]

 

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