domingo, 11 de maio de 2025

«Sala de espelhos» de Urbano Bettencour


É provável que Urbano Bettencourt (n.1949) tenha ouvido a advertência - «Se quer ser alguém nas Letras, não perca tempo a escrever sobre os livros dos outros». Ensaísta, poeta e ficcionista, a sua obra é um «não» a esse aviso; este «Sala de Espelhos» vem confirmar o seu (digamos) lugar de ser. O ponto de partida destas 427 páginas lê-se na página 9: «Aquilo que aqui se propõe, longe der ser uma história literária, é muito simplesmente a análise de autores e textos particulares, mas sem perder de vista o seu contexto, as condições em que lhes foi possível existir, ganhar visibilidade e a realização plena no contacto com o leitor.» Os autores estudados são os seguintes: Florêncio Terra, Roberto de Mesquita, Manuel Zerbone, Luís Francisco Bicudo, Armando Côrtes-Rodrigues, Raul Brandão, Vitorino Nemésio, Maduro Dias, Manuel Ferreira, Natália Correia, Dias de Melo, Pedro da Silveira, Eduíno de Jesus, Fernando Aires, Fernando de Lima, Manuel Lopes, Resendes Ventura, José Martins Garcia, Daniel de Sá, Álamo Oliveira, J.H. Santos Barros, João de Melo, Mário Machado Fraião, Ana Ferraz da Rosa, Joel Neto, Alexandre Borges, Nuno Costa Santos, João Pedro Porto e Carlos Nogueira Fino. Mas o livro não se esgota nos autores e nos temas sugeridos na página 427; integra o seu autor que se salvou pelos livros e ainda bem. Vejamos como era o tempo de meados da década de 50 no Pico: «A camioneta arrancava às cinco horas. Às nove horas, depois de quarenta quilómetros de ilha e amais nove de Canal, desembarcávamos na Horta, a cidade em frente.» Se eram complicadas as viagens na estrada e no mar, as viagens nas Letras não o eram menos; em casa não havia Odisseia nem Os Lusíadas nem Guerra e Paz nem Bíblia. Numa pequena loja vendia-se açúcar, farinha, tecidos, petróleo, sal, botões, cadernos e lápis para ardósias; havia também um livro nunca lido de Max du Veuzit (John chauffer russo) mas mesmo assim a peça chave na formação do autor. Sala de espelhos - um livro a não perder.

(Editora: Companhia das Ilhas, Direcção: Carlos Alberto Machado, Assistência editorial: Sara Santos, Foto do autor: Eduardo Bettencourt Pinto, Design: Inês de Matos Machado)

[Livros e Autores 29]