sábado, 17 de agosto de 2019

«Lisboa – Livro de Bordo – vozes, olhares, memorações» de José Cardoso Pires



José Cardoso Pires (1925-1998) escreveu este livro para a EXPO 98 mas a nova edição integra fotos de José Carlos Nascimento (n.1943) que lhe dão aspecto mais apetecível pois como refere Ana Cardoso Pires «Lisboa é uma cidade de que é fácil gostar.» O ponto de partida está na página 16: «Mas ninguém poderá conhecer uma cidade se não a souber interrogar, interrogando-se a si mesmo. Ou seja, se não tentar por conta própria os acasos que a tornam imprevisível e lhe dão mistério da unidade mais dela.» Dito de outra maneira «isto aqui não é só luz e rio, não é só geografia, revelações ou memórias» há cheiros a reconhecer: «o do peixe de sal e barrica nas lojas da Rua do Arsenal, o da maresia a certas horas das docas do Tejo, o do Verão nocturno nos ajardinados da Lapa, o dos armazéns de aprestos marítimos entre Santos e o Cais do Sodré, o do peixe a grelhar em fogareiro à porta dos tascos de recanto ou de travessa, desde o Bairro Alto a Carnide.» Lisboa é também História: «São Vicente, está provado, entrou no Tejo em cadáver navegante sob a guarda de dois corvos. Já ressequido e mirrado, acrescente-se. Já relíquia de sacrário, boca roída, dentes de fora. Chegou nessa figura e embora santo, não teve uma palavra para a cidade que o recebeu.» Do que este livro mais trata é do Amor a Lisboa: «Se fosse Deus parava o Sol sobre Lisboa», escreveu Fernando Assis Pacheco num poema tonto de luz (a tão citada luz sempre imprevista). De acordo, mas uma cidade de caprichos como esta nunca o sol a pode iluminar por igual. Tem de se lhe afeiçoar aos contornos e aos instintos desordenados.» A tragédia do Chiado (o incêndio) está na página 59: «Hoje quando atravesso esse rosto corrompido de Lisboa vejo-o como uma ferida aberta na nossa memória colectiva. Mais ainda: é um pouco da memória de mim mesmo que ficou destroçada porque também eu subi o Chiado em diferentes idades dos meus livros e com amigos de diferentes gerações.» E continua: «É possível definir Lisboa como um símbolo. Como a Praga de Kafka, como a Dublin de Joyce ou a Buenos Aires de Borges. Sim é possível, Mas mais do que as cidades, é sempre um bairro ou um lugar que caracteriza essa definição e a fidelidade tantas vezes inconsciente que lhe dedicamos. O Chiado, neste caso.»

(Editora: Relógio d´Água, Prefácio: Ana Cardoso Pires, Fotografias: José Carlos Nascimento, Revisão: Anabela Prates Carvalho, Capa: Carlos César Vasconcelos)

[Um livro por semana 626]

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