quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Portugal - entre a sarjeta e o altar



Portugal é um país de analfabetos que conhece Bulhão Pato pelas amêijoas, Camões pelo olho perdido em combate e Bocage pelas anedotas. Não há volta a dar a esta situação. Foi para mim muito penoso e desagradável um destes dias ter ouvido alguém que parecia um sacerdote católico de Pedrógão Grande enquanto se paramentava a falar no que temia da burocracia portuguesa como sinónimo de atraso nas indemnizações. O vómito era grande, o nojo era enorme, a repulsa era poderosa. Alguém numa televisão pretendia transformar em notícia um simples temor (ainda por cima) direcionado a uma entidade (burocracia) não apresentada nem definida nem apontada,
O mesmo sacerdote católico nada disse (eu não o ouvi) em 2003 quando ardeu noventa por cento da mancha florestal do concelho de Vila de Rei, morreram dezoito pessoas e a vaga de calor fez 1593 (ou 1953) vítimas só confirmadas pelo INE em Janeiro de 2004. Presumo também que nada disse em 8 de Setembro de 1966 quando na Serra de Sintra morreram na flor da idade vinte e cinco jovens militares do Regimento de Queluz.
Aos Domingos de manhã há muitas pessoas a sair de uma igreja dos arredores de Lisboa e a atravessarem a estrada fora das passadeiras tal é a pressa de comprarem um jornal que em vez de tinta usa a água suja das sarjetas para ser impresso. Esta relação entre a sarjeta e o altar preocupa-me mas já não a estranho. Em Portugal é assim. Os que saem a correr da igreja nem reparam no jornal «A Voz da Verdade» que fica numa pequena mesa ao lado da pia baptismal. «A Voz da Verdade» é um jornal que tem poucos leitores. Os seus possíveis leitores que vão à missa dominical preferem um jornal impresso com a água suja das sarjetas.   

(Vinte Linhas 1698)

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

João de Melo - as lágrimas e os beijos ou «Gente feliz com lágrimas»


O Facebook tem destas coisas: li um texto teu mas perdi-lhe o rasto e apenas posso recordar os tópicos. Falava da tirania, do abuso de poder, do fascismo, da maldade. Falava da Turquia mas eu não me esqueço da Arménia porque passaram apenas cem anos e cem anos é muito pouco, é o tempo entre o meu avô e o meu neto. Escolhi uma foto de um funeral de crianças na Faixa de Gaza porque vem mesmo a propósito. Há apenas homens a chorar a morte dos seus filhos inocentes. As mulheres ficaram a chorar de outra maneira, depois de terem beijado os seus mortos. Há aqui na Faixa de Gaza o outro lado do Gueto de Varsóvia e o que eu vejo neste funeral de meninos lembra os mortos de Der Iassine em 1948. Trata-se da operação «chumbo fundidio» idealizada numa cama de Hospital por Ariel Sharon. A morte é sempre uma experiência limite, uma tragédia e nunca uma estatística. Houve um Quisling na Finlândia, um major Hadad no estado fantoche entre o Sul do Líbano e o Norte de Israel. Ambos foram executados a seu devido tempo. Sabra e Shatila são massacres muito falados em 1982. Ainda hoje muita gente ao recorda no Líbano e não só. Há poemas vários e outras memórias. Eu não esqueço. Muito curioso é o facto de o teu texto referir a Turquia. Sabemos que a Arménia era um país e passaram cem anos sobre o genocídio do seu povo. O senho Calouste Gulbenkian veio para Portugal e aqui se sentiu bem. Todos em Portugal ficaram a ganhar mas os arménios foram mortos como passarinhos e os rios encheram-se de sangue perto de Erevan. «A vida não é nobre, nem boa nem sagrada» escreveu Federico Garcia Lorca. A fotografia com o rumor das lágrimas e dos beijos mostra um funeral na Faixa de Gaza e prova isso mesmo. Como diz um título de um livro teu é tudo isto é a «Autópsia de um mar de ruínas». 

(Vinte Linhas 1696 - Fotografia de autor desconhecido)

domingo, 13 de agosto de 2017

Carta a João Oliveira e Costa


Quando aceitei o seu pedido de amizade no Facebook estava a lembrar-me da entrevista que lhe fiz para a «Gazeta das Caldas» a propósito do seu livro «O império dos pardais». Nunca esperei que minutos passados caísse no meu Facebook uma chuva de tretas saídas não da sua Universidade mas da Faculdade de História da Rabicha, ali a Campolide, lugar onde a História é falsificada. Para além das tretas custou-me muito ver que em alguns comentários aparece a expressão «Carrega Benfica» que é uma cópia mentirosa, repugnante e mal feita de uma frase  do treinador Joseph Szabo (há quem escreva José Sezabo) dirigida a Fernando Peyroteo. Vem na página 85 do livro «Memórias de Peyroteo» e a sua expressão integral está na frase - «Não esquecer principal papel dê avançado-centro: Carega Maria!! (Compreenda-se atirar ao golo)» O comentário entre parêntesis é do autor do livro, Fernando Peyroteo.
Por favor arranje maneira de me desligar desta «amizade» no Facebook que não me interessa, só me desgasta  e onde entrei por engano. Tenho 66 anos de idade, nasci em 1951 e já não tenho paciência para muitas coisas, uma delas é este conjunto de tretas que me entrou assim tão de repente pelo ecran dentro. Para si não terá qualquer importância pois amigos não lhe faltarão e a mim faz-me diferença. Este friso de atletas do SLB mostra entre outras coisas que o gesto era transversal a todos os clubes grandes e até a alguns mais pequenos como o Casa Pia. O senhor que é especialista em História percebe muito bem que a matriz da época é muito importante para perceber um gesto. Não podemos olhar para coisas e pessoas dos anos 30 com os olhos de 2017. Fico à espera da supressão deste equívoco. Por favor. Espero que não me desiluda porque no Facebook não posso (mesmo!) ser seu amigo. 

(Vinte Linhas 1697)

domingo, 6 de agosto de 2017

Penélope - editora, livraria, livros e outras coisas sobre o Bairro Alto


Por um simpático comentário a uma ficha de leitura por mim assinada noutro Blog («transporte sentimental») soube do interesse de alguém (assina «Penélope») por tudo o que diga respeito ao Bairro Alto. Começo por referir a editora Apenas Livros cujo telefone é o 217582285; foi esta a editora do livro «Cancioneiro do Bairro Alto». Da parte das pessoas da editora em causa pode vir uma boa ajuda nas suas pesquisas. Depois assinalo o número de telefone da Livraria «Fábula Urbis» que é o 218885032. É uma livraria que tem tudo, mesmo tudo, sobre Lisboa. Vale sempre a pena uma visita, sairá sempre mais rica do que entrou. Também sugiro o livro «Dicionário das Alcunhas Alfacinhas» da editora Livros Horizonte com introdução e notas de Francisco Santana. Veja-se por exemplo a interessante entrada sobre «Ana do Cão» na página 13: «Mulher de baixa categoria e de má nota, que tinha uma casa de toleradas na Travessa da Palha. Era muito conhecida entre os estroinas de há 40 anos. Dizem que o poeta Mário Sá Carneiro, que se suicidou em Paris, o fez com desgosto de o pai ter contraído matrimónio com essa mulher por quem se apaixonou depois de velho.» Outro livro a recomendar é o romance «Bairro Alto» de Avelino de Sousa, romance baseado na opereta homónima do mesmo autor que foi levada à cena em Lisboa no teatro de São Luiz em 22-4-1927 (faz agora 90 anos!) pela Companhia de Armando de Vasconcelos com música de Venceslau Pinto, Alves Coelho e Raul Portela. Sugiro ao mesmo tempo os dicionários de Orlando Neves e Afonso Praça. Num deles, entre o calão e o palavrão, lê-se na entrada «Variedades» esta célebre frase que só podia ser ouvida no Bairro Alto de outros tempos: «Ó filho eu só faço o natural, se queres variedades vai ao teatro.»

(Vinte Linhas 1695)

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Pedrógão Grande e Tancos - os plurais são sempre um abuso


É conhecida a história de três alfaiates ingleses que assinaram uma petição à sua rainha lá pelos idos de 1500. O texto começava com um abusivo «nós, o povo inglês» o mesmo é dizer «we, english people» mas o abuso está no plural. Tudo isto tem a ver com o fogo de Pedrógão Grande e as munições de Tancos. Não ´é preciso ter muitos contactos para receber mensagens SMS ou EMAIL utilizando um abusivo plural para dar conta da revolta individual e copiada perante os factos. Sintomático é que algumas das mais incendiárias notícias sobre o fogo de Pedrógão Grande foram assinadas por um pseudónimo de um jornalista espanhol. Quando procuraram saber quem era o «artista» a chefe de redacção referiu com todo o desplante que é normal em Espanha as notícias serem assinadas com pseudónimo. Enfim trata-se de uma pacalaia como se diz na minha terra. Quanto ao dito assalto às munições de Tancos foi por acaso num jornal espanhol que apareceu uma lista supostamente completa ou inventada do material bélico roubado. Claro que isto é um esquema tal como é esquema o artigo a comparar o fogo no Sul de Espanha com o fogo do Centro de Portugal. Os demagogos falam no plural e comparam o que não tem comparação. É como comparar os fogos daqui com os da Califórnia nos EUA. Este tratamento sobranceiro dos espanhóis e o sublinhar canino deste lado da fronteira faz-me lembrar a história da letra que todos os meses era enviada para cobrança num banco de Madrid. Essa letra era avalizada por um Banco, o mesmo é dizer dinheiro em caixa. Quando no BPA começámos a perceber que o crédito em conta só surgia no dia seguinte demos início a uma tentativa de sermos ressarcidos dos juros mas ao fim de muito tempo com cartas, telegramas e telexes veio uma resposta taxativa e plural: «Es una prática de nosostros».

(Vinte Linhas 1694)