quinta-feira, 18 de abril de 2024

«Contos d´ América» de Álamo Oliveira

A base dos contos (149 páginas) de Álamo Oliveira (n.1945) é, como se lê em «O aprendiz de feiticeiro» de Carlos de Oliveira «a realidade que nos cerca». Essa realidade está nos títulos: «Segredos com gelatina», «Lar doce lar», «A maldição de não ver uma garça mergulhar no mar», «A última pega», «Beijinhos!», «Conto da avó Genuína», «A casa do lago», «Tudo por causa da Marta», «João, John, Juan», «Eu e as vacas» e «A minha amiga Estela». De acordo com a citação inicial «Todos os contos passam pela América.» O primeiro refere a situação de pobreza: «Nas ilhas não havia trabalho que fosse remunerado com justiça. Faltavam géneros de primeira necessidade. Os recém-nascidos morriam no seu primeiro Verão de vida diluídos em diarreia. Os mais velhos morriam antes do tempo.» A emigração pode ser uma resposta mas sem final feliz: «Teve sempre medo de encontrar alguém que lhe desse notícias de lá. Nunca foi a festas do Espírito Santo.» Um neto do protagonista faz uma viagem ao passado: «Antes de chegar, quis documentar-me sobre estas terras prometidas mas não atingi aquelas onde, dizem, corre leite e mel. Havia índios por aqui e já não há.» Na página 23 surge uma definição de conto: «Contar um conto era o mesmo que puxar pelo passado e, com ele, remendar o futuro». Na página 25 pode ler-se «Na América, um pecado mortal é como um ferro num toiro do José Albino» para melhor perceber o outro lado: «adorei este gajos pela democracia, pela liberdade que diziam defender. Como é que foi possível não me aperceber do seu racismo, do seu xenofobismo, da sua nunca extinta vocação para escravizar os outros?» De um lado o vulcão («Teve fases de lava, de pedra, de gases, de cinzas») do outro a Base das Lajes e «o preço militar da pobreza insular». Um livro a não perder.

(Editora: Companhia das lhas, Direcção: Carlos Alberto Machado, Assistência editorial: Sara Santos, Capa e Foto do Autor: Rui Melo, Coordenação Gráfica: Rui Belo)

[Livros e Autores 21]


terça-feira, 19 de março de 2024

«Fernando Pessoa – Ensaio sobre o drama Octávio / Vitoriano Braga – Octávio Peça em três actos»


No âmbito da comemoração dos 80 anos da morte de Vitoriano Braga a presente edição de 135 páginas pretende (segundo Nuno Ribeiro) «constituir-se como um contributo para o conhecimento da relação entre Pessoa e Vitoriano Braga». Fernando Pessoa (1888-1935) era primo de Vitoriano Braga (1888-1940) e tem no seu espólio vário material sobre as peças de teatro deste autor que, além de dramaturgo foi fotógrafo amador, funcionário da CP, tradutor, crítico e desportista. Multifacetada figura da cultura portuguesa, foi apresentado a Fernando Pessoa por José Boavida Portugal em 27-2-1913 e escreveu nove peças de teatro entre 1908 e 1927. Três delas («Octávio», «O Milagre» e «A casaca encarnada») estavam no projecto editorial não concretizado da empresa OLISIPO, fundada por Fernando Pessoa.

O enredo da peça «Octávio» organiza-se em torno de um casamento de conveniência entre Maria da Graça e Octávio que na página 75 a adverte: «Não duvido da amizade do Ricardo mas Ricardo é um homem e um homem, por melhor que seja, vivendo na intimidade duma mulher, acompanhando-a em passeios, entrando no seu próprio quarto, usando, finalmente de uma liberdade igual à que existe entre ti e ele, tem sempre, um momento em que os encantos da mulher o inebriam.»

Fernando Pessoa, no seu ensaio sobre a peça, afirma: «Quando se compreende para querer, o fim que se busca em compreender é forçosamente a utilidade ou a vida prática. Quando se compreende só para compreender, o fim que se busca é necessariamente a verdade ou a ciência. Quando se compreende para sentir, o fim que se busca é necessariamente a beleza ou a arte.»

(Editora: Apenas Livros, Edição e Introdução: Nuno Ribeiro)

[Livros e Autores 20]

domingo, 18 de fevereiro de 2024

«Os Açores nos versos dos seus Poetas» de Olegário Paz


Este livro de 550 páginas é o resultado de um espantoso trabalho de recolha semanal («Porque hoje é Sábado») que durou quase cinco anos até chegar à fasquia dos 400 poemas e dos 400 poetas. Olegário Paz (n.1941) organizou o volume por Ilhas (nove ao todo) e uma espécie de «décima Ilha» que é o conjunto de Poetas que mesmo não sendo das Ilhas pelo seu nascimento estão, em termos sentimentais, ligados aos Açores.

Vem ao caso o Poeta Carlos Faria (1929-2010) delegado de propaganda médica, agente cultural nas Artes e nas Letras, natural da Golegã, autor (entre outros) do livro «São Jorge – Ciclo da Esmeralda» (1992). Vejamos um excerto do poema «São Jorge-Pico»: «Diz o Poeta Almeida Firmino que na Ilha do Pico/ não há grilos! Ele é que sabe desta vida maravilhosa de cantores/ que se perderam no fundo dos vulcões/ e cantaram tão alto que perderam /as asas canoras nos fundos poemas da terra…/ O João sorri frontalmente e concorda/que os grilos não podem passar o canal de barco/ou a nado…/Os grilos, às vezes, embarcam de asas coladas /nos sacos e malas dos emigrantes/ e vão para a América: mas de lá/ não vêm notícias de tais cantores /que se perdem nas ruas de Boston ou São Francisco, /atropelados pelos automóveis!...»

Para cada conjunto de poemas surge uma nota de apresentação assinada por dez autores: João Saramago, Nuno Vieira, Maria Inês Vargas, Manuel G. Serpa, Frederico Maciel, Victor Rui Dores, Álamo Oliveira, Maria João Ruivo, Manuel Chaves e Miguel Real. 

(Editora: Letras Lavadas, Prefácio: Onésimo Teotónio Almeida, Posfácio: Artur Teodoro de Matos, Nota de contracapa: Dora Gago, Jardim Gonçalves, António Rego e Esaú Dinis)

[Livros e Autores 19]


domingo, 21 de janeiro de 2024

«Poemas da mulher e do náufrago» de Jaime Rocha


Jaime Rocha (n.1949) cujo nome civil é Rui Ferreira de Sousa, estreou-se na ficção com «Tonho e as almas» de 1984. Este livro de 58 páginas junta dois títulos: «Mulher inclinada com cântaro» (2012) e «Mulher e um cão que dança» (2019). A sequência poética pode ser lida como uma «peça de teatro»: há um palco (a praia), há uma mulher (com um cântaro), há um cão (que remexe na areia) , há um homem que se aproxima e faz perguntas, há um grupo de bêbados, há um náufrago.

A mulher espera e está sentada na areia («É um choro irregular que se ouve/encostado ao corpo do homem»). O cão também «Porque ambos sabem que/um náufrago vive no coração do mar/à espera que as correntes e as rochas/o devolvam à terra». Na página 20 a mulher adverte: «Se houvesse aqui monumentos antigos/junto ao mar, ruínas, arcos, cemitérios, /mas não, não existe nada». Mas o que existe é o luto, um espaço sentimental onde se cruzam morte e vida, dor e beleza. O poema da página 56 prenuncia um mundo novo: «Foi nesse momento de fim de tarde/que as pessoas invadiram a areia/ e se puseram em torno da fogueira,/ numa espera silenciosa,/ anunciando uma outra forma de / comemorarem um festim, um mundo /novo, já sem náufragos, sem gritos,/ sem demência»

São dois poemas longos e não de livros de poesia no sentido tradicional. Textos críticos de Manuel de Freitas, João Barrento, João Paulo Sousa, José Mário Silva e Henrique Manuel Bento Fialho completam o volume.

(Edição: Volta d´Mar, Apresentação: Biblioteca da Nazaré, Capa: Marta Nunes)

 [Livros e Autores 18]