sábado, 28 de abril de 2018

Padre Amílcar Fialho (1944-2001) ou a boa surpresa na página de um livro



A página 180 do livro «O sítio de Benfica e a tradição dominicana» de Artur Santa-Bárbara (edição da Paróquia de São Domingos – Benfica - Lisboa) refere dom Fernando Teles de Menezes como conde de União em vez de conde de Unhão. Má surpresa mas a página 237 mostra o largo sorriso do novo presbítero do Patriarcado, Amílcar Luís Fialho, ao lado de Frei Carlos Santos. A foto não tem data mas deve ser de 1967. Nascido em Santa Catarina (Caldas da Rainha) em 27-4-1944, foi admitido no Seminário de Santarém em 1-10-1955 tendo sido ordenado sacerdote em 1967 e passando a ser pároco nas Lapas e na Ribeira Branca em 1968. Filho de João Fialho e Conceição Fialho, este meu valoroso conterrâneo veio a falecer em 18-5-2001. Da sua passagem pela Direcção do Jornal «O Almonda» regista-se em 24-5-1975 um firme propósito: «Empenhar-me-ei desde o primeiro momento não em servir ninguém mas a Verdade, que é revolucionária.» Mas em 9-11-1979 confessava a sua relativa frustração: «Passados mais de quatro anos de fortes tensões provocadas pela angústia constante de me sentir «bola de pingue-pongue» nos jogos de interesse, verifico, com pena, a necessidade de abandonar o campo por falta de forças físicas. Numa luta permanente e desgastante, obrigando-me, tantas vezes a enfrentar problemas e situação cheias de imponderáveis e contradições, o confronto humano, social e cristão arrasa o sistema nervoso, provocando possíveis doenças de consequências incalculáveis.» 

Uma nota final de agradecimento a Alexandra Xisto e Laura Martinho pela ajuda preciosa nos dados biográficos do padre Amílcar Fialho.     

(Crónicas do Tejo 110)

sexta-feira, 13 de abril de 2018

O comboio da Sertã, a vila das Caldas, «gralhas» e deslizes



Uma pessoa acorda, toma banho, come, veste-se e vai para a rua e a primeira coisa que vê é uma carrinha frigorífica à porta dum talho com a expressão «São António» em vez de Santo António. Sabe-se que São se usa para João ou Pedro, os santos populares de Junho cujo nome começa por consoante. Minutos depois no comboio a mesma pessoa lê Melecas em vez de Meleças e no Metropolitano vê Marques Pombal em vez de Marquês de Pombal. Ao sair na Praça de Espanha (lê-se Praca Espanha) fica a pensar no nome antigo da estação que era Palhava em vez de Palhavã. A seguir pega num livro e lê uma referência ao comboio da Sertã na página 74 e duas vezes na página 90 às Caldas da Rainha como vila sem esquecer na página 98 a expressão vila termal. Sabe-se que não há nem nunca houve comboios na Sertã e as Caldas são cidade desde 1927. Na página 131 lê-se reouve quando o verbo é reaver ou seja «ter de novo» que é diferente de ouvir.
Pego noutro livro e leio lojistas com «g» na página 130 depois de ter lido na página 125 Dutra Trafaria em vez de Dutra Faria. Li depois no mesmo livro o nome do jornalista Urbano Carrasco como Urbano Camacho referido como sendo do «Diário da Manhã» mas não faz sentido no contexto porque esse jornal era da situação, não da oposição. Leio na página 26 António Régio por António Sérgio e na página 32 «ostão» por estão. Mas para acabar o dia em beleza leio num livro sobre São Domingos de Benfica uma referência ao conde de União que não existe porque se trata do conde de Unhão. Cheguei a casa com o cinto cheio de caça mas terá valido a pena? Talvez sim ou talvez não. Nunca saberei ao certo.  

(Crónicas do Tejo 108 - fotografia de autor desconhecido)



sexta-feira, 6 de abril de 2018

Mário Duarte a «angústia sem lágrimas» entre o pó e a posteridade



Autor de «Aquário» (1979) e «Jornal Poliédrico» (1989). Mário Duarte (1954-1978) pôs termo à vida em 1978 na Holanda onde vivia como exilado. Na apresentação do segundo livro Fernando Venâncio escreve: «Desconhecemos, ainda, o Diário de Mário Rui. Nele se encontrará, porventura, resposta para a interrogação sobre o grau de consciência que o jovem exilado tinha do seu talento, em particular literário. Do que não resta dúvida é que o escritor Mário Duarte tinha virtudes das que mais recomendam um oficial das letras: era laborioso e era um insatisfeito. Não é impensável que, ultrapassada a euforia dum início de reconhecimento, Mário Duarte repudiasse, garbosamente, os seus ensaios de juventude. Hoje,  eles são todo o acervo de um autor por quem os Desuses já guerreavam.» Citemos um dos textos: «Corredores Os corredores. O Hospital: edifício erecto e escuro. Os rostos semeiam-se na imensidão asséptica das enfermarias. O edifício está esventrado por corredores-gemidos. E os elevadores furam as paredes com pessoas de batas eficientes. As lavandarias produzem as batas entre indescritíveis ruídos brancos. O fumo das roupas acende muito feliz por uma chaminé de metal (um osso desmesurado, oco, em espirais). Os doentes olham os corredores com espanto. As camas disseminam-se. As camas invadem os corredores. Gritam as enfermeiras de touca eriçada. Os doentes emudecem. Os estudantes da Faculdade riem o espaço dos lábios. Os doentes imóveis. As pernas das camas caminham docemente pelas áleas laterais. Gritam os partos. As crianças dolorosas enxameiam os corredores de urina. À mulher dói-lhe o fruto: o nascimento. A cara crispa-se. Os lábios enrugam-se. A criança não quer sair. O útero lateja como um solo de clarinete.» (Fim de citação)   
     
(Crónicas do Tejo 107 - fotografia de autor desconhecido)