sábado, 23 de setembro de 2017

«A Benfica dos Lobo Antunes Exposição até ao dia 15 de Outubro


Trata-se de uma exposição que mistura dois tipos de memória (fotografia e texto) aberta desde 15 de Setembro a 15 de Outubro no Espaço Ulmeiro na Avenida do Uruguai 13 A (Benfica) de Segunda a Sábado das 9h30m às 19h. A curadoria é de Ana Sofia Franco e Andreia Friaças, os patrocínios são do Espaço Ulmeiro e da Info Friaças Lda e o apoio institucional é do Arquivo Municipal de Lisboa – Câmara Municipal de Lisboa.
Estamos em 2017 e esta é uma viagem no tempo, um regresso teórico ao passado, uma busca do nosso tempo perdido na cidade de todos nós. Estas ruas (sabemos de ciência certa) não vão voltar a ser como nas fotografias, as calhas dos eléctricos desapareceram, a ideia de que há sempre lugar para o estacionamento é mentira. Trata-se (arrisco a afirmação) do esplendor da nostalgia. A foto sugere algo como «eu passei por ali em 1966», há uma inscrição pessoal de cada um dos espectadores da exposição numa memória colectiva.
Parece de propósito mas horas depois de visitar a exposição «A Benfica dos Lobo Antunes» recebo «O nome dos poemas», livro de Soledade Martinho Costa (Edições Vela Branca) onde na página 50 se pode ler este poema para António Lobo Antunes: «A manter vivos / Os nomes / E a Casa / Ser o eco da infância. / À flor da pele / A ternura / Assumida e assinada. / Mas ser também / Vela de seda / Em mastro desfraldada / Num mar de rebeldia / E de coragem. / A inverter as regras / Ao recato / Imposto ao bom nome / Das palavras.»
Como diziam os cauteleiros de antigamente «Há horas de sorte» e isto de receber um belo livro com um poema dirigido a um protagonista de uma exposição de fotografias antigas e de palavras modernas foi mesmo uma hora de sorte.

(Vinte Linhas 1701)

sábado, 16 de setembro de 2017

Dissertação para um quadro de Maria de Lourdes Mello e Castro


Num primeiro olhar vejo neste belíssimo quadro de 1957 o sorriso de Lena, a menina de 1976 quando subia ao monte de pedras do Jardim da Estrela para ver o Rio Tejo. Lena, ela-mesma, a Leninha, a mais nova num gruo de cinco irmãos (Kiki, Guida, Tó, Rui, Lena) a Lena que estava na Quinta do Conde num tempo de sonhos quando parecia a todos nós que o tempo não voava, como voa, afinal. Escreveu um dia Ruy Belo que «o medo da morte é a fonte da arte» e talvez seja essa a razão para o quadro de Maria de Lourdes Mello e Castro e para a minha obscura e discreta crónica. Hoje estamos em 2017, sessenta anos depois do quadro, falo com Lena uma vez por ano e sei que as suas filhas já estudam na Universidade. Eu próprio sou um portador de passe da terceira idade que me dá descontos porque pago hoje metade do que pagava em Fevereiro passado. A viagem da obra de arte é outra, não precisa de autocarros ou Metros nem de comboios para atravessar a paisagem e o povoamento da nossa vida cinzenta.
A obra de arte torna-se mais portátil, mais leve, mais particular. Graças à multiplicidade das cópias de um quadro de 1957 podemos hoje recordar num óleo com sessenta anos uma menina que nasceu em 1976 e nunca mais saiu da memória deste seu amigo nascido em 1951. Num quadro, tal como num poema, cada leitor apropria-se daquilo que julga poder guardar junto ao lado mais sentimental do corpo humano – o lado do coração. Num certo sentido não podia ser a Lena que em 1957 ainda não tinha nascido mas no quadro é de facto, na verdade, a Lena. Essa Lena de 1976. O esplendor do sorriso, a luz do olhar, a serena contemplação do Mundo. Ou dito de outra maneira e como queria André Breton: «É no amor humano que reside todo o poder de regeneração do Mundo».                         

(Crónicas do Tejo 77)

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

O eléctrico «28» debruçado sobre o Rio Tejo


(dedicado a Thomas Francisco Sutherland em Londres)

Este é o meu eléctrico desde 1966 quando comecei a trabalhar no BPA da Rua Áurea nº 110 e morava na Travessa do Caldeira, ali à Calçada do Combro. Nesse tempo o «28» subia a Rua Augusta e descia a Rua Áurea à noite e nos fins-de-semana. Isso permitia-me ir ao cinema Estúdio 444, apanhar o Metro na estação do Campo Pequeno, sair na do Rossio e esperar o «28» ao pé das floristas do Largo. Outro dia arrancaram os carris da Rua Áurea e foi para mim doloroso porque aqueles ferros eram parte da minha memória viva tantos anos depois daquelas tão antigas viagens.
Anos depois foi o meu filho Filipe que nele viajou com os seus mais chegados amigos (os Tiagos e o Hélder) no tempo da Escola Secundária David Mourão-Ferreira e mais tarde quando a Escola Veiga Beirão mudou de nome. Tinha sido ela a minha Escola em 1971 quando, graças ao trabalho do Poeta Manuel Simões, nosso professor, os meus primeiros poemas foram editados e saíram num livrinho colectivo com o título de «Lugar de Ser».
O meu neto Thomas chama-lhe «my tram» («o meu eléctrico») e fica surpreso quando no Largo das Duas Igrejas vê passar o «28» que vem dos Prazeres para a Graça. Admira-se em voz alta: «look, there is another!». Ou seja, «olha afinal há outro!». Claro que há outras memórias do mesmo eléctrico. Eu próprio, já avô, fui muitas vezes no tal «28» à Voz do Operário ali na Graça buscar o meu neto Pedro o fim da tarde.  Este «28» é afinal todos os eléctricos que transportam passageiros e memórias, eles são uma cápsula do tempo feita de vidro e de madeira, feita de ferro e de napa – que os bancos de palhinha já não existem. Só a memória, só a recordação, só o sentimento.

(Crónicas do Tejo 75 - fotografia de autor desconhecido)